Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 161 (2020-12)

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34 Le Monde Diplomatique Brasil^ DEZEMBRO 2020


As ilusões do


decrescimento


Para alguns ecologistas, a crise ambiental atingiu um nível tal que uma única solução se


impõe: o decrescimento. Segundo eles, as mudanças climáticas não provêm de um modo


de produção guiado pelo mercado e, portanto, irracional: elas decorrem do crescimento,


que infla a demanda energética e trava o objetivo de descarbonizar a economia.


Como a redução da produção de bens produziria o efeito inverso, seria


conveniente cortar a atividade. Uma análise coberta de dificuldades


POR LEIGH PHILLIPS*


COMBATE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS


À


s vezes esquecemos que os se-
res humanos nem sempre são
impotentes perante os dese-
quilíbrios que eles provocam.
Nos anos 1980, a ameaça ecológica se
encarnava no “buraco da camada de
ozônio”, esse gás que nos protege dos
raios solares, mas cuja presença se
reduzia na atmosfera. Anunciador de
cânceres de pele, epidemias de imu-
nodeficiência, degradação das reser-
vas de água, perturbação dos ciclos
bioquímicos e baixa da produção
agrícola, o fenômeno não ameaçava
menos a humanidade do que as mu-
danças climáticas. Lá também os
culpados eram as emissões antropo-
gênicas, principalmente os cloro-
f luorcarbonetos (CFC), logo reduzi-
dos no discurso midiático a seu uso
em geladeiras e aerossóis.
A partir do Protocolo de Montreal,
que foi assinado em 1987 e entrou em
vigor em 1º de janeiro de 1989, essas
emissões caíram 98%.^1 O fenômeno
de destruição do ozônio se inverteu
nos anos 2000 e espera-se que a ca-
mada atmosférica de gás retome seu
estado inicial até 2075.^2


podemos realizar são as leis da física
e da lógica: é possível imaginar que
nos teletransportemos um dia, pois a
ideia não viola nenhuma lei física;
mas, pelo mesmo motivo, não é con-
cebível que inventemos uma máqui-
na de movimento perpétuo.
Compreendemos facilmente que
os defensores do decrescimento não
apreciem a comparação com Malthus.
Mesmo que uma minoria deteste a hu-
manidade, comparando-a a um vírus
tóxico para o planeta, a maioria forja
suas convicções no fogo dos combates
contra as injustiças sociais que decor-
rem dos desregramentos ambientais.
Eles lembram também que, contraria-
mente ao reverendo britânico, seu
movimento não se interessa pela
questão da superpopulação: dedica-
-se a limitar o crescimento econômi-
co, não demográfico.
Mas imaginemos que tenhamos
identificado um limite superior à
quantidade de bens que é possível
produzir sem provocar uma catástro-
fe ecológica. Imaginemos que a par-
tir de agora a economia mundial se
contente com esses volumes. Imagi-
nemos enfim que a sociedade opere
uma distribuição perfeitamente
igualitária dessa produção em escala
planetária, mas que não exista ne-
nhum limite ao crescimento da po-
pulação. O que aconteceria então?
Todo ano nascem novas crianças e
os bens disponíveis são distribuídos
igualitariamente, mas em uma quan-
tidade menor: a produção estagna,
não os nascimentos. Depois de um
tempo, todo mundo se encontra auto-
maticamente empobrecido... a menos
que a sociedade se imponha um teto
demográfico. Dizer que há bens de-
mais em circulação ou gente demais
no planeta significa a mesma coisa.
Alguns defensores do decresci-
mento, como Troy Vettese, admitem
que, a seus olhos, a ameaça do caos
ecológico justifica uma dose de
“ecoausteridade” para as populações

Todos aqueles que cresceram nos
anos 1980 provavelmente se recor-
dam de ter, em algum momento,
atormentado sua mãe para que ela
parasse de usar laquê nos cabelos.
Nem todas cederam a esse apelo.
Tampouco os dirigentes políticos.
Mais do que contar com iniciativas
individuais, e insensível às lamenta-
ções dos lobistas comprometidos
com os industriais, o Protocolo de
Montreal interveio diretamente nos
mercados para impor uma
regulamentação.
Se tivéssemos tentado frear o au-
mento do número de geladeiras no
mundo, por exemplo, ou mesmo re-
duzido sua quantidade total em esca-
la planetária, em vez de introduzir
regras impondo uma mutação tecno-
lógica, teríamos caminhado sem dú-
vida para o desastre. Proclamar
“Existem muitas geladeiras, e nenhu-
ma a mais” teria resolvido o proble-
ma do crescimento das emissões,
mas não o das próprias emissões, do
mesmo modo que não se trata hoje de
reduzir os gases de efeito estufa, e
sim de eliminá-los.

E de qual legitimidade o Norte po-
deria se arrogar para explicar aos
países do Sul que eles não podiam
dispor de meios para conservar seu
alimento refrigerado? O discurso
progressista não consistia em afir-
mar, ao contrário, que há falta de re-
frigeração no mundo? Hoje, feliz-
mente, constatamos um aumento de
seu uso sem impacto na camada de
ozônio, pois conseguimos tecnolo-
gias que não mais destroem esse gás.
Essa singular capacidade dos se-
res humanos de transformar seu mo-
do de vida é determinante e explica
por que Thomas Malthus e seus su-
cessores modernos se enganam. Não
somos como bactérias em uma placa
de Petri: contrariamente a outras es-
pécies, não consumimos recursos em
um nível constante. Graças ao pro-
gresso tecnológico e a escolhas polí-
ticas, podemos, se desejarmos, evo-
luir. E, quando nos deparamos com
limites naturais, somos capazes de
inovar para ultrapassá-los. A história
da nossa espécie poderia, aliás, se re-
sumir a essa disposição. As únicas
fronteiras intransponíveis àquilo que

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