Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 161 (2020-12)

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DEZEMBRO 2020 Le Monde Diplomatique Brasil 33


profissionais sob a tutela da admi-
nistração”...,^7 previsto pelo CNM.
Se Landowski e Malraux preconi-
zavam a democratização cultural,
tratava-se sobretudo de tornar aces-
síveis as obras do repertório erudito
(patrimonial ou contemporâneo), na
contramão da abundância criativa
do jazz, do punk e da música disco,
que estavam em plena ebulição. Foi
com a chegada de Jack Lang ao mi-
nistério, em 1981, que todos os gêne-
ros da época passaram a ser levados
em consideração, da canção à músi-
ca contemporânea, passando pelo
rock: “A partir de agora, mais do que
propor o acesso a um patrimônio
cultural, o Estado pretende apoiar e
favorecer o desenvolvimento das
práticas de cada um”.^8 A ação não co-
bre mais apenas o ensino, mas tam-
bém a produção e a difusão: finan-
ciamento de locais de reprodução,
apoio às federações de práticas de
amadores, criação de uma Orquestra
Nacional de Jazz, fundação do Estú-
dio de Variedades, inauguração da
primeira casa de espetáculos Zénith
em Paris, lançamento da Festa da
Música em 1982... Diretor da música
e da dança (1981-1986), Maurice
Fleuret viu seu orçamento triplicar,
o das regiões foi multiplicado por
seis, e a música ficou no topo dos se-
tores culturais mais subvenciona-
dos. Mas Fleuret salienta que, “para
todas essas realizações, as respecti-
vas profissões, que nelas tinham um
interesse direto, no entanto, por in-
crível que pareça, continuaram si-
lenciosas, ausentes, às vezes hostis e,
seja como for, sempre divididas”.^9
Essas divisões continuaram nos
anos 1990: f lorescente, dinamizado
pela explosão das vendas de CD a
partir de 1988, o segmento não sentia
necessidade de se unir. Mas a fonte se
esgotou com a desmaterialização dos
apoios na virada do século. Na Fran-
ça, as vendas de suportes físicos (CD
e vinil) caíram: elas representavam


230 milhões de euros em 2019, en-
quanto em 2002 correspondiam a
1,432 bilhão de euros. Apesar da po-
pularidade dos shows e dos festivais,
essa queda reativou a ideia de um es-
tabelecimento público: o CNM. Sua
edificação se chocou com o fraciona-
mento do setor e com tergiversações
de sucessivos ministros, até que um
novo relatório, em 2017, concluiu que
o CNM “poderia participar, em tem-
pos de revolução digital, de um novo
projeto para a política musical”.^10
Validado em 2019 pelo ministro
da Cultura, Franck Riester, o CNM
não partiu do nada. Ele se apoiou no
Centro Nacional da Canção, da Va-
riedade e do Jazz (CNV), uma asso-
ciação fundada por produtores de es-
petáculos em 1986, transformada em
seguida em um estabelecimento pú-
blico de caráter industrial e comer-
cial, sob a tutela do Ministério da
Cultura, em 2002. Seu papel: receber
uma taxa de 3,5% do valor arrecada-
do pela bilheteria, em seguida redis-
tribuí-lo de modo a estimular a cria-
tividade e a rentabilidade dos
espetáculos musicais, uma expres-
são que engloba especialmente o
“humor” e os espetáculos circenses.
O CNM o substituiu, ampliando sua
ação para a música “erudita” e para a
música gravada. Ele integra, desde 1º
de novembro, associações de direito
privado, das quais se supõe que os
papéis de ajuda e consultoria serão
preservados: o Fundo para a Criação
Musical (FCM), que dá suporte à
criação, difusão e formação; o Clube
de Ação de Selos e Vendedores de
Discos Independentes Franceses
(Calif ); o Centro de Informação e de
Recursos para as Músicas Atuais (Ir-
ma); e o Escritório de Exportação,
que trabalha com os selos ou com os
produtores de artistas que decidiram
vender para o exterior.
Entre as taxas, o Estado etc., o
CNM foi dotado de 50 milhões de eu-
ros, um montante insuficiente (o or-

çamento do CNC é de aproximada-
mente 700 milhões de euros) do
ponto de vista geral, em relação às
ambições declaradas: apoio aos ar-
tistas em fase de criação, aos emer-
gentes, às estéticas ditas precárias, às
estruturas descentralizadas, à pari-
dade mulheres-homens, às novas
tecnologias... Na realidade, a criação
desse “operador global” não tem co-
mo único objetivo estruturar e unifi-
car o setor. Essa unificação deve per-
mitir uma política cultural de
proteção, para citar a declaração de
princípio publicada em seu site: “A
música em todas as suas estéticas”.
Em outras palavras, contrabalançar
as lógicas de mercado.
Em meados de junho, para 2020, o
segmento já avaliava suas perdas em
4,5 bilhões de euros, principalmente
em razão do desmoronamento do es-
petáculo ao vivo (83% das perdas). As
ajudas do Estado se multiplicam: no
início de novembro, o orçamento do
CNM foi acrescido de 137,4 milhões
de euros suplementares para os pro-
blemas mais urgentes. Não é garanti-
do que, como em outros setores, será
suficiente. Mas se, evidentemente, é a
questão da sobrevivência que se colo-
ca hoje, para as estruturas e para os
artistas, é importante também pre-
parar o futuro.
O governo delegou a presidência
do CNM a Jean-Philippe Thiellay,
tecnocrata, membro fundador da
Fundação Terra Nova e que durante
muito tempo presidiu diversos gabi-
netes ministeriais antes de ser no-
meado administrador do Centro Cul-
tural Nacional do Havre e
diretor-geral adjunto da Ópera de Pa-
ris. Um perfil surpreendente, dada a
preponderância das músicas con-
temporâneas. Mas o que mais impor-
ta é saber se o CNM, quando os tem-
pos voltarem a ser quase “normais”,
dará prioridade aos artistas ou se
conformará com as missões descritas
no relatório de apresentação do pro-

jeto de lei para sua criação (abr. 2019):
nele, “o acompanhamento da avalia-
ção de risco” econômico é menciona-
do como “uma das razões de ser da
política pública em favor da música”.
Críticos que descrevem o CNM como
uma entidade submetida à indústria
da música, em detrimento do interes-
se geral, já se fizeram entender.^11
Thiellay nos declarou acreditar que
essa “crise dramática” pôde “legiti-
mar” o CNM. Não bastará.

*Éric Delhayej é jornalista.

1 “L’économie mosaïque. Troisième panorama
des industries culturelles et créatives en Fran-
ce” [A economia mosaico. Terceiro panorama
das indústrias culturais e criativas na França],
France Créative – EY, Paris, nov. 2019.
2 Que se tornaram respectivamente o Centro
Nacional do Livro (1993) e o Centro Nacional
do Cinema e do Desenho Animado (2009).
3 Carta de Pierre Boulez a André Malraux, 20
nov. 1965. In: Christian Merlin, Pierre Boulez,
Fayard, Paris, 2019.
4 Discurso, em 14 de março de 1967, diante da
Comissão de Concertos.
5 Guy Saez (org.), La Musique au cœur de
l’État. Regards sur l’action publique de Marcel
Landowski [A música no coração do Estado.
Considerações sobre a atuação pública de
Marcel Landowski], La Documentation fran-
çaise, Paris, 2016.
6 Notes d’information du ministère de la culture
[Notas de informação do Ministério da Cultu-
ra], n.7, Paris, 1º trimestre de 1970.
7 Marcel Landowski, Batailles pour la musique
[Batalhas em prol da música], Seuil, Paris,
1979.
8 Philippe Teillet, “Une politique culturelle du
rock? ” [Uma política cultural do rock?]. In:
“Rock: de l’histoire au mythe” [Rock: da histó-
ria ao mito], Vibrations. Musiques, médias,
société, Toulouse, 1991.
9 Anne Veitl e Noémi Duchemin, Maurice Fleu-
ret: une politique démocratique de la musique
[Maurice Fleuret: uma política democrática da
música], Comité d’histoire, La Documentation
française, 2000.
10 Roch-Olivier Maistre, “Rassembler la musi-
que. Pour un centre national” [Reunir a músi-
ca. Por um centro nacional], relatório para o
Ministério da Cultura, Paris, out. 2017.
11 Cf. Jean-Michel Lucas, “Le rapport sur le Cen-
tre national de la musique ne fait que vendre la
République au plus offrant” [O relatório sobre
o Centro Nacional da Música não faz nada
mais que vender a República pela maior ofer-
ta], Profession spectacle, 13 mar. 2019. Dis-
ponível em: http://www.profession-spectacle.com.

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