Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 161 (2020-12)

(Antfer) #1

38 Le Monde Diplomatique Brasil^ DEZEMBRO 2020


NOVAS NARRATIVAS DA WEB

Sites e projetos que merecem seu tempo

EDUCAÇÃO SOB VIGILÂNCIA

Mais de 65% das instituições públicas
de educação no Brasil usam softwares
baseados em modelos de negócios que
extraem dados pessoais para obter pre-
visões sobre o comportamento dos usuá-
rios e, com isso, ofertar produtos e servi-
ços. Educação Vigiada é uma iniciativa de
acadêmicos e membros de organizações
sociais que apresentam no site uma ampla
pesquisa para incentivar um debate na so-
ciedade em relação aos impactos sociais
da vigilância.
https://educacaovigiada.org.br

ATLAS DO ANTROPOCENO

Toda ação humana tem impactos em ou-
tras espécies – não há vida na Terra des-
conectada de algum ecossistema. O An-
tropoceno é o período geológico em que
as ações humanas causaram impactos
irreversíveis ao planeta. A proposta des-
se site é tentar relacionar esses impactos
causados por uma infraestrutura imperial
e industrial. Traz inúmeros artigos e cone-
xões interativas para que você siga algu-
ma linha de raciocínio proposta. Foi tam-
bém publicado como livro pela Stanford
University Press.
https://feralatlas.supdigital.org

TRABALHO DIGITAL

DigiLabour é uma newsletter sobre mun-
do do trabalho e tecnologia produzida por
Rafael Grohmann, professor do mestrado
e doutorado em Ciências da Comunicação
da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(Unisinos). Traz entrevistas, traduções de
trechos de livros, uma varredura sobre as-
suntos como comunicação no mundo do
trabalho; dataficação; capitalismo e coope-
rativismo de plataforma; circulação de sen-
tidos; trabalho humano e inteligência artifi-
cial; organização coletiva de trabalhadores
no mundo conectado. O site tem o arquivo
de todas as newsletters distribuídas.
https://digilabour.com.br

[Andre Deak] Diretor do Liquid Media
Lab, professor de Jornalismo e Cinema na
ESPM, mestre em Teoria da Comunicação
pela ECA-USP e doutorando em Design
na FAU-USP.

livros internet


F


ruto de um amplo processo colaborativo, o
livro é uma ode aos povos do Cerrado, ver-
dadeiros guardiões e multiplicadores das rique-
zas dessa imensa região. Os povos do Cerrado
são diversos. São indígenas de tronco Macro-Jê
(como os Xerente, Xakriabá, Apinajé e Xavante),
mas também Tupi-Guarani (como os Guarani e
Kaiowá) e Arawak (como os Terena). São co-
munidades quilombolas, como os Kalunga, os
jalapoeiros e centenas de outras pelos sertões
do Cerrado. São comunidades tradicionais, tão
diversas como o próprio Cerrado e que têm sua
vida entrelaçada nas árvores e plantas, bichos,
chapadas, vales e águas da região, como as que-
bradeiras de coco-babaçu, raizeiras, geraizeiras,
fecho de pasto, apanhadoras de flores sempre-
-vivas, benzedeiras, retireiras, pescadoras arte-
sanais, vazanteiras e pantaneiras. São, ainda, as

O


primeiro passo para enfrentar o racismo
estrutural é compreender as narrativas que
legitimam a opressão e entender como o mo-
dus operandi das instituições resulta em maio-
res taxas de pobreza e violência contra negros.
Considerando isso, é possível partir para a re-
sistência e a luta. É nesse sentido que Keeanga
Yamahtta-Taylor analisa o combate à conjuntura
político-social norte-americana, em que a igual-
dade só existe na letra morta da lei.
Taylor percorre documentos e bibliografia
especializada para desvendar a retórica do
daltonismo racial modelada nos anos pós-se-
gregação: doravante o sonho norte-americano
estaria disponível a todo e qualquer cidadão
que primasse pelo esforço, independentemente
de sua cor. Daí para o consentimento tácito da
violência policial é um passo.
Em contraposição, ela destrincha a pauta do
Black Lives Matter sobre a ineficácia da estra-

MISCELÂNEA


SABERES DOS POVOS
DO CERRADO E
BIODIVERSIDADE
Vários autores,
Campanha Nacional
em Defesa do Cerrado

VIDAS NEGRAS
IMPORTAM E
LIBERTAÇÃO NEGRA
Keeanga Yamahtta-Taylor,
Editora Elefante

assentadas e assentados de reforma agrária e
outras populações de base camponesa.
Os artigos que compõem esse livro ecoam a
memória ancestral de que as paisagens onde
a biodiversidade do Cerrado vibra não são re-
presentações de uma natureza intocada, e sim
patrimônios históricos e socioculturais, fruto da
convivência e cuidado dos povos com o Cer-
rado. Ao mesmo tempo, os relatos e análises
mostram que esses saberes tradicionais vão se
transformando, sendo desenvolvidos e continu-
amente testados, adaptados e reinventados por
meio do manejo consciente das paisagens, ao
longo de inúmeras gerações, e por isso mesmo
são resilientes, diversos e apropriados a cada
lugar. Essa conexão entre tradição e inovação


  • em meio a uma profunda crise ecológica
    mundial e mesmo após décadas de devasta-
    ção do Cerrado pelo agronegócio monocultor

  • está entre os maiores legados dos povos do
    Cerrado, partilhando horizontes de vida, agora
    e para o futuro.


[Diana Aguiar e Helena Lopes] Respectiva-
mente, assessora política da Campanha Na-
cional em Defesa do Cerrado e pesquisadora
de pós-doutorado no CPDA/UFRRJ; e espe-
cialista em Agroecologia e Justiça Climática da
ActionAid e doutoranda em Ciências Sociais no
CPDA/UFRRJ.

tégia de remediação da violência via repressão,
denunciando a diminuição constante dos inves-
timentos sociais que poderiam a médio prazo
produzir resultados mais efetivos. Em um mun-
do de oportunidades desiguais, a ascensão de
pessoas negras torna-se exceção instrumenta-
lizada para confirmar a regra – de que o baixo
acesso aos serviços sociais de qualidade segue
promovendo a marginalização de negros po-
bres. “Sempre houve diferenças de classe entre
afro-americanos, mas é a primeira vez que elas
se expressam por uma minoria de negros que
exerce significativo poder político e autoridade
sobre a maioria das vidas negras”, pois isso le-
vanta questões importantes “sobre o papel da
elite negra na contínua luta pela libertação e de
que lado ela está.”
A autora alerta que “Exigir tudo é tão eficaz
quanto não exigir nada”, cutucando os que cri-
ticam pautas identitárias em nome do mate-
rialismo histórico. É fundamental, segundo ela,
que os ativistas do Black Lives Matter revejam
questões não resolvidas pelo movimento negro
histórico, entre elas a cooptação da luta pelo
capital e a ausência de solidariedade com ou-
tros grupos marginalizados.

[Vanessa Machado] Historiadora.

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