Revista Literária Prosa & Versos

(Anita Santana) #1

Josenilto Andrade Reis


PREFIRO O MEU VIRA LATA


Crônica


Outro dia, indo à escola para uma
reunião pedagógica, deparei-me com um
vira lata. Olhava-me, carinhosamente e
docilmente, como se eu fosse um amigo,
um irmão querendo um colo, um abraço
ou querendo ouvir umas palavras boni-
tas. E eu não era único naquela multidão
de pessoas passando, apressadamente
pra lá e pra cá. Mas, observei, senti! Ele
parecia sujo. Molhado de lama. Cheirava
mal. Mas ele não parava de olhar nos
meus olhos. Parecia que o mundo não era
mais o mesmo quando nascera.


Tranquilo, ele perambulava sem sa-
ber para onde ir. Não tinha um destino,
um rumo, um lugar ao certo, um lugar
ao sol. Acho que ele deve ter passado por
muitas coisas nessa vida. Humilhação.
Preconceito. Não sei ao certo. O pior é que
ele sempre foi cachorro.


Coitado! É apenas um vira lata,
nada sabe, nada tem. Nem um dono.
Nem um vintém. Não compra nada, não
tem ninguém. Apenas rouba. Mas não
tem roupa. Sem consciência. Nada veste.
Nada sente. Nada quer. Viver em busca de
algo, talvez. Isso se tiver oportunidade!
Digo: se derem ao coitado uma oportu-
nidade de ser gente na vida. Quero dizer:
um cachorro melhor, inteligente, menos
cachorro e mais sonhador, sorridente,
menos andante, que tenha um lugar ao
sol e um lugar no céu.
Se não sabes: os cachorros pensam.
Às vezes até mais que alguns tiranos hu-
manos. Sentem. Querem. Imaginam. Fa-
lam na linguagem deles, evidentemente.
Sentem: necessidades. Querem: ser um
cachorro na vida. Imaginam: uma boa
mansão com piscina e um bom churrasco
de frango. Hummm! Que delicia! Falam:
Free download pdf