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/ TENDÊNCIAS
A
O CRIPTOBURACO
Em Portugal, as mais-valias dos
criptoativos só pagam IVA ou IRS quando
declaradas por profissionais. Presidente
da associação ligada às criptomoedas
admite que haja milhares de pessoas
a escapar à malha fiscal por essa via
Texto Hugo Séneca
nova “época” do IRS já está
a decorrer, e ainda ninguém
sabe ao certo quanto irá pagar
ou receber do Estado, mas há
uma coisa que já é mais ou menos
adquirida: as mais-valias obtidas com
a compra e venda de criptomoedas não
deverão pagar imposto no âmbito do IRS. No final de fevereiro,
depois de receber uma notificação de Bruxelas devido ao atraso
legislativo, o Governo aprovou uma proposta de lei com vista
a transpor para as leis nacionais a diretiva 2018/843 – que é
também conhecida como diretiva antilavagem de dinheiro
ou pela sigla AML-D5. A proposta de lei ainda não terá sido
enviada para o Parlamento, pelo que ainda não se sabe o que
reserva o Governo para as criptomoedas, mas tendo em conta
o deslizamento de prazos e prioridades provocado pela pan-
demia Covid-19, qualquer alteração fiscal que seja aprovada
só terá efeito no próximo ano. O que significa que neste novo
exercício fiscal só os investidores profissionais deverão pagar
impostos pelas mais valias alcançadas com criptomoedas.
“Tal como a lei está, basta criar uma empresa que não tenha
atividade relacionada com criptomoedas para ficar isento dos
impostos relacionados com as mais-valias da compra e venda
de criptomoedas. Desde que não se dê nas vistas a fazer negó-
cios com criptomoedas nem se declare ser profissional nesta
área, não se paga imposto de mais-valias”, comenta Fred
Antunes, presidente da Associação Portuguesa de Blockchains
e Criptomoedas (APBC).
O presidente da APBC admite que uns quantos milhares de
investidores portugueses tirem partido da falta de regulação
para pagar menos impostos, através de investimentos em
criptoativos.
O Ministério das Finanças não revela detalhes sobre a pro-
posta de lei que transpõe a AML D5, mas no circuito ligado
às questões fiscais há quem dê como certa uma alteração
das obrigações legais que terão de ser cumpridas por quem
transaciona criptoativos.
A expectativa quanto ao que poderá mudar não incide apenas
nas eventuais mudanças que poderão ser aplicadas ao IRS.
Rogério Fernandes Ferreira, advogado que tem vindo a acom-
panhar o quadro legal aplicado às matérias fiscais recorda que
a Autoridade Tributária (AT) já esclareceu que os investidores
a título pessoal também estão isentos de IVA quando se trata
de transações com criptoativos. “Este quadro fiscal constitui
efetivamente um elemento de atração de investidores em
criptomoedas para Portugal, mas não se encontrando direta-
mente estabelecido na lei, nem não sendo, pelo menos, claro
e inequívoco na lei fiscal portuguesa, gera também incerteza,
pelo que deveria existir uma clarificação mais sólida e formal
do enquadramento fiscal do investimento em criptmoedas em
Portugal”, refere o advogado num e-mail enviado à Exame
Informática.
REGULAÇÃO PRECISA-SE
Rogério Fernandes Ferreira considera ainda que, tendo em
conta as taxas aplicadas a outros tipos de investimentos que
também geram rendimentos, não há justificação para não serem
aplicados impostos aos ganhos obtidos com criptomoedas.
“Do ponto de vista regulatório, as diretivas europeias a trans-
por deverão contribuir para um quadro de combate à lavagem
de dinheiro bem mais eficaz, assegurando, elas sim, que tais
investimentos em criptomoeda não sejam instrumentalizados
para esse fim”, refere Rogério Fernandes Ferreira.
Fred Antunes admite que a ausência de enquadramento legal
poderá funcionar como atrativo, ainda que não intencional,
para quem solicita Vistos Gold, mas não facilita as vidas dos
investidores portugueses. “O que a AT definiu está correto. Os
investidores a título pessoal não devem pagar imposto sobre
as mais-valias dos criptoativos, mas os profissionais devem
pagar. Só que os profissionais também não vêm para cá porque
não foi feita a transposição para a AML D5”.
O presidente da APBC recorda ainda que os impostos das
criptomoedas são apenas um problema residual da legislação
europeia antilavagem de dinheiro e que os países não têm de
aplicar obrigatoriamente impostos aos criptoativos, só por-
que transpõem a AML D5. Fred Antunes dá como exemplo a
Alemanha, que transpôs a AML D5 e não aplicou impostos aos
investidores individuais de criptoativos. “Não aproveitámos a
oportunidade para estar na dianteira”, conclui.