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Os investigadores do
InnovPlantProtect vão
fazer a edição genética
do trigo para evitar
o fungo na origem
da ferrugem amarela
O combate à xylella
nas oliveiras será feito
através da modificação
genética de organismos
que combatem
esta bactéria
Com a modificação
genética do arroz,
os cientistas contam
eliminar a piriculariose
do arroz sem o uso
de fitofármacos
CORTA E COLA
ADN
Sigla de Ácido Desoxirribonucleico.
É composto por uma dupla hélice
que se encontra no núcleo de cada
célula e codifica todas as diferentes
características e funcionalidades através
de uma sucessão de quatro moléculas:
adenina, citosina, guanina e timina. Estas
quatro moléculas costumam ser descritas
pelas iniciais ACTG – e não é por acaso:
cada gene responsável por uma função
ou característica é composto por uma
sucessão específica de entre as múltiplas
combinações possíveis destes quatro
elementos. Por isso, há uma tendência
para encarar cada gene como um código
único, que é composto por estas quatro
moléculas.
ARN
Sigla de Ácido Ribonucleico. O ARN
funciona como um código complementar
do código de ADN que é enviado para
fora do núcleo para proceder à síntese
de proteínas, a fim de garantir uma
determinada função para cada célula.
CRISPR/CAS9
Sigla em inglês de Repetições
Palindrómicas Curtas Agrupadas e
Regularmente Interespaçadas / Proteina
9 Associada à CRISPR. Tem por base
uma proteína (ou enzima) que se sabe
que consegue “recortar” genes – mas
não dispensa o desenvolvimento de
um guia ARN que permite identificar
a sucessão das quatro moléculas que
compõem o código de um determinado
gene (vide texto sobre ADN). Com o guia
ARN, torna-se possível extrair um gene
indesejado. A própria célula vai tratar de
reparar essa quebra na cadeia – mas a
reparação já será diferente do original,
e por isso provoca alterações na forma
como a célula sintetiza proteínas que
podem ser usadas na interação com
outros organismos. A CRISPR/CAS9 pode
ser aplicada in vitro com um conjunto de
células e enzimas; ou o próprio gene do
CRISPR/CAS9 pode ser integrado na
célula para que possa ser sintetizado e
produza efeito nos genes que se pretende
exponenciar ou silenciar.
“corpo” à molécula pode ficar concluída
numa semana.
Quem tenha laboratórios de biologia
molecular para os testes in vitro e de
bioinformática, com computadores que
fazem simulações sobre os resultados
produzidos pelas diferentes mutações
possíveis, consegue criar uma CRISPR/
CAS9 com um investimento na ordem
das centenas de euros.
“É uma tecnologia muito democrática.
Desde que existam equipamentos, basta
recrutar um ou dois investigadores com
conhecimentos. Há a esperança de que
esta tecnologia possa acelerar o desen-
volvimento de variedades (de vegetais)
que adequam às necessidades. E essas
necessidades tanto podem passar pela
resistência ao stress salino, como pelo au-
mento de produtividade ou pela redução
de substâncias antinutricionais”, exem-
plifica o diretor do InnovPlantProtect.
OS INSETOS MAL PODEM ESPERAR
No caso da ferrugem amarela do trigo, é
a atuação de um fungo o principal alvo
a abater. Para o efeito, os cientistas do
InnovPlantProtect deverão começar por
trabalhar com os genes que executam
funções que são aproveitadas pelo fungo
para entrar no sistema celular.
A mesma lógica de alteração de genes
que facilitam a instalação de determi-
nados microrganismos também deverá
ser aplicada ao arroz para o combate à
doença piriculariose, que tem origem no
fungo piricularia. A CRISPR/CAS9 terá
neste caso uma vantagem acrescida face
ao que já é usado para evitar esta doença:
“atualmente os produtores de arroz usam
fitofármacos, que são tóxicos e, por isso,
têm vindo ser descontinuados”, explica
Pedro Fevereiro.
Nas oliveiras e amendoeiras, vai ser
usada uma estratégia diferente – até
porque, nestas espécies, a modificação
genética pode revelar-se mais complexa.
Em qualquer das duas espécies, a bactéria
xylella é o “inimigo” já identificado. Pe-
dro Fevereiro recorda que, em Espanha e
Itália, já há relatos relacionados com esta
praga, e informa que, em Portugal, já foi
detetado um primeiro foco no norte do
País que tem afetado a alfazema (a xylella
ataca várias espécies).
“Neste caso, a estratégia não passa por
alterar os genes das plantas, mas sim por
trabalhar com microrganismos que se
sabe que são antagonistas da xylella, a
fim de os tornar mais agressivos quando
detetam esta bactéria”, explica o diretor
do InnovPlantProtect.
Pedro Fevereiro prefere manter a re-
serva quanto aos detalhes das técnicas
que vão ser desenvolvidas em Elvas, a
fim de não pôr em causa um potencial
registo de patente. Em contrapartida, o
especialista em biologia molecular, que
também dirige um laboratório no Insti-
tuto de Tecnologia Química e Biológica
António Xavier, da Universidade Nova
de Lisboa, não tem pruridos em defen-
der os benefícios da edição genética face
aos argumentos de quem alerta para os
riscos inerentes à alteração de interações
entre espécies e cadeias alimentares, que
eventualmente poderão transformar o
curso normal da Natureza.
E é por isso que o responsável do In-
novPlantProtect não põe de parte a apli-
cação desta ferramenta no controlo de
pragas que têm origem em insetos. “É
razoável considerar que vão ser altera-
das cadeias alimentares (caso se elimi-
nem determinados microrganismos que
disponibilizam alimento a outros), mas
não creio que seja um problema. Se não
controlarmos esses microrganismos ou
insetos estaremos a deixar que se sobre-
ponham a todos os outros microrganis-
mos e insetos no ecossistema”, conclui
o investigador. Hugo Séneca