Conhecimento Prático Língua Portuguesa e Literatura - Edição 77 (2019-06)

(Antfer) #1
LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA | 35

1921
(MONTEIRO LOBATO)

2019
(MAURICIO DE SOUZA)

Numa casinha bran-
ca, lá no sítio do
Pica-pau Amarelo,
mora uma velha de
mais de sessenta
anos. Chama-se
dona Benta.

Numa casinha bran-
ca, lá no sítio do
Pica-pau Amarelo,
mora uma senhora
de mais de sessenta
anos. Chama-se dona
Benta.

Emília foi feita por
Tia Nastácia, com
olhos de retrós
preto e que é ver
uma bruxa.

Tia Nastácia é que fez
Emília. Seus olhos são
dois botões pretos,
mas as sobrancelhas
fi caram tão lá em
cima, o que deixou a
boneca com cara de
assustada.

Dona Carolina
botou-lhe a língua,
uma língua muito
magra e seca, e
retirou-se furiosa
da vida, a resmun-
gar que nem uma
negra beiçuda.

Dona Carolina imedia-
tamente mostrou-lhe
a língua, uma língua
muito magra e seca, e
retirou-se furiosa da
vida, resmungando
baixinho mas sem
parar.

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MIRIAM
STELLA
BLONSKI
Mestra em Letras:
Estudos Literários
e pesquisadora de
Monteiro Lobato.

O ano de 1917, em que Lobato realiza o in-
quérito sobre o Saci, que recebeu o nome de
Mitologia Brasílica – Inquérito sobre o Saci-
Pererê, apresenta-nos um quadro de cresci-
mento das cidades, de industrialização ascen-
dente, fazendo surgir categorias profi ssionais
típicas das zonas urbanas, como operários,
profi ssionais liberais, militares, entre outros,
provocando, cada vez mais, o afastamento das
atenções do cenário rural. Fazendeiros, colonos
e sitiantes dirigiam-se para a cidade, em bus-
ca de oportunidades de trabalho. Enquanto
isso, esquecido e isolado nos rincões do País,
permanecia um tipo rústico, até certo ponto
puro, que não se deixava contaminar pelas in-
fl uências da vida urbana: o caboclo. Em sua au-
tenticidade, mantinha-se fi el à cultura caipira,
cujos ensinamentos lhe foram legados através
dos seus ancestrais, e que ele continuava pra-
ticando e transmitindo aos fi lhos. Como parte
da sua cultura podemos citar as crendices, as
superstições, os mitos nos quais ele acreditava
e, entre eles, o Saci-Pererê.
Blonski lembra que o cenário propiciava
o fortalecimento, nas letras e nas artes, de um


sertanismo nostálgico, que focaliza a vida ru-
ral como modelo idealizado de sociedade a ser
preservado. Lobato não se mantém alheio a
essa tendência e concentra sua atenção no ca-
boclo, personalizado pela fi gura do Jeca Tatu.
Se, anteriormente, o escritor o descrevera como
“selvagem, arredio, desconfi ado, piolho da terra,
parasita funesto, preguiçoso e maligno, inadap-
tável à civilização”, agora ele refaz sua opinião,
passando a elogiar as qualidades do caboclo,
tornando-se, dessa forma, seu aliado.
O inquérito de Monteiro Lobato, que ob-
teve grande repercussão na época, foi consti-
tuído de vários depoimentos, reunidos pelo
escritor em livro com cerca de 300 páginas e
tiragem inicial de dois mil exemplares.
A capa do livro – SacyPererê - O Resultado
de um inquérito– é vermelha, simbolicamente
da cor do sangue, do fogo, e também do amor.
Segundo o Dicionário de Símbolos, é a cor de
Dioniso, deus do vinho, na mitologia grega.
Dioniso e também o demônio são representa-
dos comumente com chifres, símbolo da força
e do poder. Provavelmente por essa razão, José
Washt Rodrigues, autor do desenho do Saci que

outro criador consagrado de his-
tórias infantis. Nessa versão, os
personagens do Sítio do Picapau
Amarelo ganham novas ilustra-
ções: Narizinho tem desenho
de Magali; Emília, de Mônica; e
Pedrinho, de Cebolinha. E parte-
-se para o politicamente correto.
Veja um exemplo de como fi cou
a versão de Narizinho Arrebitado
na visão de Mauricio de Souza no
quadro deste box.
Entre as editoras que estão
debruando Monteiro Lobato, a
Companhia das Letras optou por
apresentar a história do autor
para as crianças. Reinações de
Monteiro Lobato: uma biografi a,
de Lilia Shwarcz e Marisa Lajolo,
traz aspectos do escritor de for-
ma lúdica e divertida. A Moderna
convidou Pedro Bandeira, tam-


bém um dos grandes autores
infantojuvenis, que está traba-
lhando em Narizinho, a menina
mais querida do Brasil, uma
adaptação do original Reinações
de Narizinho, de 1931. A Reforma
da Natureza é o sexto livro da
Biblioteca Azul, da Globo Livros,
de Lobato, que publica o texto
integral.
A editora Lafonte também
se decidiu por reproduzir as
obras de Monteiro Lobato
em sua originalidade. Com
ricas ilustrações de Jótah, que
convidam para a aventura, já
saíram Reinações de Narizinho
e Viagem ao Céu. Ainda virão
Memórias de Emília, Histórias da
Tia Nastacia, O Picapau Amarelo,
A Chave do Tamanho Fábulas, O
Saci, entre outras.
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