Conhecimento Prático Língua Portuguesa e Literatura - Edição 77 (2019-06)

(Antfer) #1

Texto de Mara Magaña Cabeceira


LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA | 53

P


or que é importante falar-se hoje de Sylvia Plath e sua
obra, mais especificamente de seu único romance, A
redoma de vidro? Li-o pela primeira vez no final dos
anos 1970, após embriagar-me com sua poesia, em
versos como “Morrer/ É uma arte, como tudo o mais./ Nisso
sou excepcional./ Desse jeito faço parecer infernal./ Desse
jeito faço parecer real./ Vão dizer que tenho vocação...”, do
cortante poema Lady Lazarus.
O romance de Plath, chegado pelas mãos de um grande ami-
go escritor, impactou-me, à época, por refletir sobre o que era
ser mulher em uma sociedade patriarcal, onde o que lhe cabia
era um lugar estreito e limitado em uma redoma de vidro.
O suicídio, esse tema varrido para debaixo do tapete ainda
nos tempos atuais, tomou-me de assalto: eu, já bem solta à
época, dando uma banana daquelas aos ideais casamenteiros
da sociedade, surpreendi-me com a dualidade de Plath entre
submeter-se aos desmandos do marido, o também escritor e
poeta Ted Hughes, e seus anseios feministas. A resposta pode
estar na possível bipolaridade da escritora, o que provavel-
mente levou-a a se matar asfixiada pelo gás, com a cabeça
enfiada no forno.
Essa aura da morte talvez seja o foco de se discutir Plath
na atualidade e o que me lançou à releitura da obra, em nova
roupagem da Biblioteca Azul, da Globo Livros. A escritora tira
a própria vida aos 30 anos, em fevereiro de 1963, cerca de um
mês depois que A redoma de vidro (The Bell Jar) chegasse ao
público, assinado com o pseudônimo de Victoria Lucas, con-
tando a história de Esther Greenwood. O romance tem forte
acento autobiográfico, e se consegue fazer paralelos com a
vida de Plath. A protagonista sai de uma pequena cidade no
interior dos EUA e, por ser uma aluna exemplar, ganha uma
bolsa para estagiar em uma revista de moda de Nova York.
Plath também vai para Nova York como editora convidada da
revista Mademoiselle. O tom sombrio dá as caras no primeiro
parágrafo, com Esther comentando sobre a execução do casal
judeu Julius e Ethel Rosenberg, condenados por espionagem
pela acusação de ter transmitido informações sobre a bom-
ba atômica para a União Soviética. “Era um verão estranho,
sufocante, o verão em que eletrocutaram os Rosenberg, e
eu não sabia o que estava fazendo em Nova York. Tenho um

Blues do suicídio


problema com execuções. A ideia de ser eletrocutada me
deixa doente, e os jornais falavam no assunto sem parar —
manchetes feitos olhos arregalados me espiando em cada
esquina, na entrada de cada estação de metrô, com seu bafo
bolorento de amendoim”.
No romance, o início promete ser uma aventura especial,
enriquecedora, mas que se transforma em um caos, um
pesadelo. A autora consegue imprimir um ar sufocante à
história, que é realçado pelo uso constante de flashbacks,
e um fluxo mental de Esther sem interrupção, pessimista,
angustiante, ansioso.
Uma análise mais acurada permite dividir o livro de Plath
em três fases, que combinam o local onde se encontra e
seu estado psíquico: a primeira, do capítulo 1 ao 9, coloca
Greenwood em Nova York e marca o início de sua desilusão; a
segunda, do capítulo 10 ao 13 mostra seu retorno para casa e
o avanço de sua depressão, marcado principalmente por uma
não aprovação em uma oficina de criação. Aqui vida e obra
se misturam, pois Sylvia Plath sofre seu primeiro bloqueio
criativo, profundamente agravado pela recusa de sua parti-
cipação no curso de escrita criativa em Harvard. E, por fim,
do capítulo 14 ao 20, mostrará suas passagens por hospitais
psiquiátricos, tentativa de suicídio e o relacionamento com
uma mãe cuidadosa, mas rígida.
A escritura de Plath não provoca sentimentos agradáveis.
Falar de suicídio nos tempos também não. Mas analisar por
que uma bem-sucedida escri-
tora, jovem, mãe de dois filhos
deixa-se arrastar pela depressão
provocada pelos abusos sofridos
do marido, que culminou com
a separação devido à traição,
pode ajudar muitas mulheres
na mesma situação. Segundo o
Ministério da Saúde, no Brasil o
índice de suicídios cresceu 12%
nos últimos quatro anos. Devia
ser ficção, ou talvez caia bem em
uma letra de blues, sincopada e
melancólica. Apenas.

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