Banco Central do Brasil
Revista Exame/Nacional - Economia
quinta-feira, 11 de março de 2021
Banco Central - Perfil 1 - Paulo Guedes
aos estados e municípios na pandemia, determinou o
congelamento de salários dos servidores e vetou o
aumento de gastos com pessoal até dezembro deste
ano.
Isso não impediu, claro, que municípios e estados
encontrassem brechas para burlar a lei. Já em pleno
caos de atendimento à população por causa da covid-
19, a Câmara Municipal de Manaus aprovou em
dezembro de 2020 o aumento de salário para os
próprios vereadores e também para o prefeito, o vice-
prefeito, secretários e subsecretários da cidade a partir
de janeiro de 2022. Assim, o contracheque do prefeito
de Manaus, Davi Almeida (Avante), passará dos atuais
18.000 para 27.000 reais. A manobra inspirou os
vereadores da capital paulista a presentear o prefeito
Bruno Covas (PSDB) com um aumento de 46%,
também válido a partir do ano que vem.
Há tempos o funcionalismo brasileiro parece viver numa
bolha. Em 2019, os servidores públicos ganhavam, em
média, 4.172 reais por mês, quase o dobro do salário
médio no setor privado, de acordo com dados do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Quando se
analisa apenas o funcionalismo federal, essa distância é
ainda maior: seis vezes.
Mas não são apenas os salários que tornam o serviço
público atraente no Brasil. Quem serve ao Estado pode
usufruir de benefícios como a licença-prêmio, que
permite três meses de descanso remunerado a cada
cinco anos de trabalho. A regalia custa cerca de 204
milhões de reais por ano aos cofres públicos, segundo o
Ministério da Economia. Há também o anuênio,
adicional por tempo de serviço de 1% sobre o salário a
cada ano.
Em 2019, o gasto com esse benefício foi de 872 milhões
de reais. Em algumas carreiras do serviço público, férias
remuneradas de mais de 30 dias são comuns. O custo
dos dias adicionais de descanso ultrapassa 2,6 bilhões
por ano somente nas esferas do Judiciário, do Ministério
Público Federal e do Executivo. “Há uma lista de
distorções em relação à iniciativa privada, como
promoções automáticas e adicional por tempo de
serviço, que tornam os servidores um grupo protegido”,
diz o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper.
“Em outros países, como os Estados Unidos, apenas
algumas carreiras, como militares e diplomatas, têm
direitos tão diferentes do restante da população.”
Quando se mergulha na complexa máquina pública
brasileira, nota-se que as desigualdades são ainda mais
profundas. Um levantamento exclusivo da consultoria
Oliver Wyman mostra que, enquanto no Executivo
apenas 15% dos funcionários ganham acima de 5.000
reais, esse percentual sobe para 85% no Judiciário, no
qual a média salarial é de 12.000 mensais. Em algumas
carreiras, boa parte dos servidores já atingiu o topo.
Esse é o caso de auditores fiscais da Receita, em que
84% dos servidores já chegaram ao mais alto nível
salarial — em comparação com 3% dos professores
universitários. “No Brasil, a desigualdade começa dentro
do próprio Estado”, diz Ana Carla Abrão, da Oliver
Wyman. “Existem castas do setor público que têm
remuneração elevada e pouco transparente, enquanto
boa parte das funções vinculadas ao serviço público
básico ganha mal.”
Essas disparidades perpetuam a ideia de que todo
funcionário público ganha muito, trabalha pouco e
atende mal o cidadão. Não é verdade. Na pandemia, os
profissionais que atendem pelo Sistema Único de Saúde
têm sido apontados como heróis e heroínas, dado o
empenho dos que atuam na linha de frente contra a
covid-19 e em situação de parcos recursos. É fato
também que antes da crise sanitária a saúde pública
costumava receber notas baixas no quesito qualidade,
assim como a educação e a segurança (as notas, claro,
levam em conta fatores que vão muito além do
desempenho de cada profissional).
Por isso, ganha força a ideia de que os servidores
públicos precisam ser avaliados para valer (nas
repartições que adotam métricas de desempenho há um
festival de notas 10 para garantir o pagamento de
bônus). Encomendada pelo movimento liberal Livres,
uma pesquisa feita pelo instituto de pesquisa de opinião
pública Ideia aponta que 68% dos brasileiros acreditam
que os servidores deveriam ser avaliados de alguma
maneira.
Esse é um dos itens que devem entrar na reforma
administrativa, a PEC 32, que vai tratar do novo RH do
Estado. Enviado ao Congresso no ano passado pelo
governo, o projeto está parado. “Trata-se de uma
reforma muito ampla, mais até do que foi a da
Previdência”, diz o deputado federal Tiago Mitraud