74 psique ciência&vida http://www.portalcienciaevida.com.br
OLHAR PSICANALÍTICO
Uma das características dos tempos atuais é
que preponderam a pressa, a superficialidade, as
relações epidérmicas; os indivíduos são tratados
como objetos que, após serem utilizados,
não têm mais serventia e são descartados
O
principal objetivo
deste trabalho é esti-
mular uma reflexão a
partir dos dois indica-
dores de saúde mental
assinalados por Freud: a capacidade de
amar e a de produzir (Freud, 1930). É
oportuno se debruçar, em primeira ins-
tância, sobre o significado de produzir
na atualidade no que tange à população
feminina. A atenção surge em virtude
do crescente interesse que as atividades
manuais têm instigado, decorrendo na
criação de inúmeros espaços destinados
ao seu ensino.
Nas últimas décadas tem sido ex-
pressivo o movimento em busca das
próprias raízes e a ressignificação das
práticas manuais, que contribuem para
um agrupamento humano afetivo. Essas
artes tornaram-se objeto de pesquisa e
tema de várias publicações, dissertações
de mestrado, exposições etc. Em 2014, a
Unicamp, atenta a essa nova tendência,
abriu suas portas para acolher artistas e
pesquisadores de todo o país no 1º Se-
minário Nacional de Bordado.
Uma delicada textura
O
mundo cada vez mais dominado
pela tecnologia, onde as pessoas
se tornam invisíveis e o contato huma-
no escasseia e no qual se contemplam
valores fundamentais como ética, res-
peito e solidariedade serem desconsi-
derados, foram importantes estímulos
para a elaboração deste texto. Hoje, pre-
ponderam a pressa, a superficialidade,
as relações epidérmicas; os indivíduos
são tratados como objetos que, após se-
rem utilizados, não têm mais serventia
e são descartados. Basta mencionar o
tratamento concedido aos idosos, mar-
ginalizados em sua maioria, sem inter-
locutores com os quais estabelecerem
diálogo nem ouvintes para acolher suas
histórias. Situação análoga à vivida pe-
las mulheres que, ao longo dos séculos,
travaram árduas lutas para obter o di-
reito à livre expressão de seus desejos,
anseios e sonhos.
No passado as feminices eram guar-
dadas a sete chaves, apenas segredadas
entre amigas. Um vasto universo glori-
ficado por uns e menosprezado por ou-
tros, mas que exerce fascínio inegável
na imaginação de poetas e pesquisa-
dores. Até mesmo Freud, hábil investi-
gador das almas, se perguntou estarre-
cido, na obra Vida e Obra de Sigmund
Freud: afinal, o que quer uma mulher?
(Jones, E., 1989).
A partir da Revolução Industrial, as
mulheres, convocadas a ingressar num
mercado sobejamente masculino, pas-
saram a ocupar posições de destaque
em diversos campos, tanto do conhe-
cimento como em profissões antes de-
sempenhadas apenas pelos homens. Di-
ferente deles, contudo, à jornada diária
de trabalho acresciam-se as atividades
de âmbito doméstico. Grandes conquis-
tas foram obtidas, sem dúvida. Entre-
tanto, o acúmulo de responsabilidades
ocasionou o abandono e a depreciação
das habilidades manuais, executadas
com maestria pelas gerações anteriores.
Com isso, perdeu-se um importan-
te espaço de convívio, quando as con-
versas fluíam entre fios de cumplicida-
de e as cores de amorosos diálogos. A
casa, hoje, como bem diz Rachel Jardim
(2005): “...virou um lugar de passagem.
As próprias tarefas chamadas femininas
não existem mais. A comida é industria-
lizada, congelada, as roupas de cama e
mesa são sintéticas. A mulher foi expul-
sa pela sociedade de consumo do seu
próprio universo, como Eva do Paraíso”
(O Penhoar Chinês, p. 252-253).
Em decorrência da hipervalori-
zação do desempenho profissional,
observou-se curioso fenômeno: as mu-
lheres que optavam por se afastar tem-
porariamente do mercado de trabalho
para cuidar de seus filhos passaram a
ser vistas quase como uma aberração
e a se deparar com inúmeras dificulda-
des ao reingressarem num mercado al-
tamente competitivo. Aquelas poucas
que ousaram desafiar o conceito vigen-
te e privilegiaram esse espaço sagrado
123RFda casa, cultivando o silêncio e a troca
É importante estimular
GÔG
dos indicadores de
saúde mental,
propalados por
Sigmund Freud: a
capacidade de
amar e a de produzir