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ESTUDOS DE CASOS
PARA SABER MAIS
P
ara ilustrar os resultados da metodologia descrita neste artigo, apresentamos algumas imagens de trabalhos de duas alunas
que, por intermédio do bordado, conseguiram materializar importantes memórias no tecido. Enquanto o primeiro exemplo é
emblemático da integração de aspectos dissociados do self, o segundo torna nítida a tentativa de resgate de traços pertinentes
a duas culturas distintas, sob forma estética.
Inicialmente, Fátima: essa aluna ficou órfã com apenas um ano de idade e foi criada pelo pai. Quando este faleceu, deixou uma
caixa contendo versos escritos à época de namoro com a mãe dela. Ao ouvir seu relato, sugeri que transformasse esse acervo
num livro bordado. A figura materna foi a de mais difícil execução, uma vez que a aluna não se lembrava de seu rosto.
Poesia inspiradora do
primeiro bordado
A terceira estrofe suscitou a
lembrança de um Ano-Novo às
margens do Tejo
No primeiro bordado Anne
é representada como a
personagem do conto A
Pequena Polegar, de Hans
Christian Andersen originário
Segundo verso aludindo à
saudade ocasionada pela
perda prematura da esposa
No desfecho, a
despedida da bordadeira
Figura que permeou
sua infância: ausência/
presença constante em
seu imaginário
Nesta imagem Fátima
sintetiza a emoção vivida
ao lado do pai ao assistirem
à queima de fogos
Neste trabalho surgem elementos da
cultura brasileira, mostrando a pequena
Anne inserida no ambiente escolar e, no
entorno, a plantação de café na fazenda da
avó, a bananeira e os prédios em São Paulo
Na copa da árvore frondosa,
as palavras que, tal como a raiz
que a sustenta, representam
os pilares de sua existência
Seu pai foi bordado em
meio a um campo de trigo,
tal como surgiu num sonho,
pouco antes de falecer
Todo o material resultante desse procedimento foi encadernado artesanalmente, constituindo, segundo a autora, a sua herança
para os filhos e netos, o mais importante legado que poderia deixar: o respeito às tradições e memórias familiares.
O segundo recorte é relativos aos bordados da aluna Anne.
Anne nasceu na Dinamarca e veio para o Brasil ainda criança. A partir do traço original da artista antigas lembranças foram
mobilizadas e transferidas para o tecido.
Essas duas histórias são exemplares da conciliação preconizada por Winnicott, quando afirma: “Quero ser eu mesmo e me
portar bem” (O Ambiente e os Processos de Maturação, p. 152-155), sinalizando a linha demarcatória entre, de um lado, a adap-
tação às exigências da cultura, mas permanecendo fiéis a nós mesmos, versus a submissão reativa às demandas do ambiente.
IMAGENS: CAUÊ HULER