O Tempo e a Restinga - Time and Restinga

(Vicente Mussi-Dias) #1

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tipo chicotinho, condizente com a ventania de Grussaí. A rabiola era de pano, com peso
suficiente para estabilizar a estrela.
E lá fomos nós para a Restinga, espaço digno para o primeiro voo, que foi um
sucesso. Não era tão fácil para mim, então com pouco menos de 10 anos, segurar aquela
bela pipa. Por sua característica, também não era possível fazer muitos movimentos, tão ao
agrado dos soltadores de pipa. Aquele tipo era para ficar em suspenso no ar, movimentando-
se suavemente, chamando atenção pela beleza e ruído que faziam as franjas.
Mas aquela beleza era admirada apenas por nós, afinal, ficávamos meio que
isolados no final da Restinga. Eu também não estava nem um pouco preocupado em
mostrá-la para outros.
Certo dia, eis que mudam a direção e sentido do vento, que passou a Sul. Vento
com nuvens, chuva fina, friozinho ... Era meio de semana, estava sozinho. No meio da
tarde resolvi soltar a estrela. Tudo ia bem, até que, de repente, aparece uma companhia
no céu. De longe, sem poder reconhecer quem seria, alguém controlava uma pequena
pipa, que se aproximou de minha estrela. Logo as linhas cruzaram, o que, para mim,
não fazia muito sentido! A princípio, achei divertida aquela situação, mas, em poucos
segundos meu coração disparou. O chicotinho foi cortado e a estrela caiu em queda
livre. Felizmente ela era pesada e eu estava na Restinga. Facilmente a resgatei, sem
danos! Ficou a sensação de ter sido agredido, assim gratuitamente! Recolhi-me a casa,
meio frustrado e assustado!
No fim de semana, com a chegada do pai, contei-lhe o ocorrido e me senti
protegido, com coragem renovada para voltar a soltar a estrela. Fomos para a Restinga,
onde ainda ventava o Sul. Estrela no céu e, sem muita demora, eis que aparece novamente
aquela pipinha, que, infelizmente, tinha uma arma poderosa. Sua linha tinha cerol, algo
que eu então desconhecia. Novamente, nossa estrela vai ao chão. Só que agora meu
pai estava junto e ele haveria de resolver a situação, com aqueles garotos atrevidos,
cujas cabeças apareciam meio ao longe, por trás de uma pitangueira. Mas que desaforo,
cortar impunemente nossa estrela!
Tínhamos também uma arma. Era Jeep, nosso cãozinho terrier, grande
companheiro. Meu pai ordenava a Jeep avançar nos meninos, que estavam distantes
de nós: “Vai, Jeep, pega, Jeep!” Jeep latia muito, mas não entendia nada, não via nada
e nada podia fazer com aqueles garotos, distantes talvez uns 200 m, o que parecia uma
enorme distância para mim. Jeep não resolveu a parada, muito menos eu e meu pai. E
ficamos com a grande estrela na mão, vencidos por uma pipinha. David derrubou Golias!
Meu pai dizia que Jeep pertencia a uma distinta família. Seu pai era Lord Ford Wyllis
e sua mãe Lady Ford Wyllis. Eram nomes pomposos, que denotavam uma estirpe de cães, e,
portanto, Jeep haveria de ser muito bom! E assim meu pai nos encantava com suas estórias.

Nunca mais fiz estrelas, mas
pipas sim! Muitas e com cerol na linha,
que aprendi a fazer. Mas eu não procurava
outros para cruzar pipas. Não era assim
que me divertia. Para mim, o legal era
produzir, soltar, fazer manobras, ou
simplesmente contemplar.
Pelos 13 anos, já morando
em Campos, comecei a me enturmar.
Meus olhares voltaram-se para outros
interesses, meu corpo possibilitou-me
jogar vôlei, comecei a frequentar os bailes
e domingueiras, surgiram as primeiras
namoradas.
No verão seguinte, comecei a
frequentar a praia no espaço de maior
movimento de pessoas. Frescobol, jacaré
nas ondas do mar, bate-papo, paqueras ...
À tarde, voleibol! Retornava ao entardecer,
caminhando pela Restinga, admirando
o pôr do sol e os matizes daquele céu
gigante, sempre espetacular. Chegando
em casa, já observava as primeiras
estrelas no firmamento. Continuávamos
afastados no núcleo urbano e a pouca
luminosidade possibilitava, em dias de
céu limpo, desfrutar de um espetáculo
noturno. Admirar as estrelas sempre foi
algo de que nunca me cansei.
E as pipas, aos poucos, foram
deixadas de lado, permanecendo na
lembrança dos dias passados.
O tempo corre célere. Homem
formado, vivendo no Rio de Janeiro, casei-
me, assumi responsabilidades, nasceram
os filhos. Mas Grussaí sempre foi nosso
refúgio. Nossas férias sempre foram lá. E
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