Ana Maria - Edição 1187 (2019-07-18)

(Antfer) #1
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| Sinta & liga |


WAL REIS
é jornalista, profissional
de comunicação
corporativa e escreve
sobre comportamento^
e coisas da vida.

É


um boneco inflável gigante, desses
made in China, que comprei com a
desculpa de alegrar meu sobrinho,
mas que, na real, veio para satisfazer
meus anseios infantes tardios. Achava
legal ver o monstrengo no terceiro andar,
iluminado, ocupando metade da varanda.
Em um determinado 1º de dezembro,
do alto da escada e com metade do
corpo dentro do maleiro, apalpei a caixa
sem muita convicção: “Baixo o boneco?”.
Diante da negativa do meu marido
empurrei a embalagem para o fundo
e ali ficou esquecida até este ano,
quando decidimos por uma faxina
natalina. A conclusão de que o
boneco iria dançar parecia óbvia.
Porém, nossos apegos passam longe
da obviedade. E a caixa com o boneco
jaz há semanas em cima da mesa da
sala e nenhum dos dois teve coragem
de dar-lhe um destino.
Guardamos objetos demais. Uma
tentativa de fazer o tempo parar
travestida de “nossa, está novo e
funciona”. Não, não funciona: quando
para de fazer sentido não está mais
funcionando. Mas é difícil aceitar o
FOTO: GETTY IMAGEStransitório. Buscamos o definitivo o ARQUIVO PESSOAL

História deve
ocupar o lugar
de história,
contada no
tempo passado,
sem pesar na
fala ou
no coração.
Devemos
nos ocupar
produzindo as
lembranças
de amanhã

tempo todo, uma imortalidade
que emperra novas vivências. E
enquanto nos cercamos de tudo
que já não nos traduz, criamos um
Forte Apache, que nos ‘defende’
erroneamente de projetos originais.
História deve ocupar o lugar de

história, contada no tempo passado,
sem pesar no coração. Devemos nos
ocupar produzindo as lembranças de
amanhã. Colecionar materiais com
o objetivo de forçar uma memória
afetiva é um exercício tosco e sem
sentido: só fica no coração aquilo que,
espontaneamente, se aninhou ali.
Não precisamos desapegar do que
faz feliz: um livro velho, que traz
novas mensagens ao ser folheado
ou um LP que, mesmo arranhado,
toca as músicas que a gente quer
ouvir, com todas as falhas acústicas.
É importante separar o que importa
daquilo que atravanca. Temos
que tomar cuidado para que bonecos
de neve não congelem nossa
capacidade de escrever os próximos
contos de Natal.

Envie suas perguntas para Thiago Vieira pelo e-mail [email protected] suas perguntas para Wal Reis pelo e-mail [email protected]

LEMBRANÇAS


de


um


boneco


de


neve


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