Visão 1373 [27-06-2019]

(claudioch) #1

de caixotes de transporte de obras,
profanado com ex-votos, peluches
do Mickey, imagens de Che Guevara
e corações em néon ... A fechar, a série
inédita dedicada à Madonna de Darms-
tadt (1526) pintada por Hans Holbein,
o Novo: Guimarães desconstruiu are-
presentação devocional do burgomestre
de Basileia, Jakob Meyer zum Hasen,
ao lado da primeira mulher falecida,
da atual esposa e da filha, orando à
Virgem e ao Menino Jesus, recriando
silhuetas e -introduzindo um artefac-
to camaronês bamileke. É, também,
uma assumida homenagem a Reinhold
Würth, que, em 2011, adquiriu a históri-
ca pintura original por uns retumbantes
86 milhões de dólares. A curadora do
Musée Würth Erstein, Claire Hirner,


defende que esta é uma retrospetiva
balizada por geografias mas que mar-
ca, também, os momentos decisivos
no percurso do português. E o artista,
tem um olhar compassivo sobre a sua
obra de décadas? "O que está feito, está
feito. Não me arrependo", é a resposta.
José de Guimarães assume ter tido
a sorte de cedo identificar a sua lin-
guagem. "O [crítico] José Luís Porfírio
escreveu, a dada altura, que eu usava o
'processo Guimarães': a construção de
vocabulários que, ao longo das séries,
vão evoluindo." É assim que a obra do
português salta de África para a Ásia ou
a América Latina, recriando um caldo
de culturas que reflete a História do seu
País. Também o seu "embrenhamento
no filão da etnologia", quando ainda
vivia em Angola, o ajudou a "compreen-
der a Humanidade" e a ganhar fascínios
duradouros. Por exemplo, pelos jades
chineses arcaicos: "Olhamos para aquilo
e vemos séculos de História em cima."
O passado é para ele muito importante:
"O problema é eu encontrar nas práticas
ancestrais a verdade que não encontro
nas coisas contemporâneas; é preciso
ir às origens para se perceber a pureza
da criação primeira. Toda a produção
contemporânea é um somatório do
que vem de trás, e deixa de haver uma
marca ... É vulgar eu ir ao museu e ver
trabalhos de artistas que nos fazem
dizer: 'Ah, isto parece do outro fulano.'
São obras que ainda não atingiram a
maturidade." Mas esta espátula raspa
ainda mais fundo: "A arte contempo-
rânea está em evolução tão rápida que
ainda é cedo para haver museus de arte

contemporânea, na medida em que a
palavra 'museu' significa um lugar onde
se mostram obras que fizeram História.
É preciso dar tempo ao tempo", acredi-
ta. Uma frase que ampara a surpresa de
o ouvir dizer que um quadro de Mon-
drian é que o deixa "extasiado".

NOVOS ENCONTROS
O white cube arquitetónico de Erstein
deixa José de Guimarães visivelmente
satisfeito. O artista aponta o "espaço
que permite que as obras", e "o sentido
religioso, místico, mágico" trabalhado no
altar central onde repousam 60 máscaras
africanas da sua coleção particular de
cinco mil peças - adquiridas por coup
de foudre, confessa. "Conseguiu-se
uma encenação como se elas estivessem
numa reunião de antepassados", elogia.
Os smartphones saltam para registar
os perfis das figuras dos Camarões, do
Congo, da Costa do Marfim, de Angola,
da Nigéria, do Gabão ... E que fazem par-
te da história de José Maria Fernandes
Marques, nascido em Guimarães a 25 de
novembro de 1939 , cidade de que adotou
o nome e onde está instalado o Centro
de Arte Contemporânea José de Gui-
marães (CIAJG). Estudou na Academia
Militar, chegou a praticar engenharia (é
membro da Ordem dos Engenheiros há
50 anos), até perceber o que queria. Após
ter aulas de pintura, aos 22 anos viajou
pela Europa, deixando-se seduzir pelo
traço de Rubens. Memória afinada, voz
pausada, o artista desfia cortesmente
biografia, dados, datas, exposições de
seis décadas de trabalho. "Quando fui
para África, embora tivesse já sete anos

2 7 J U N H O 2 O 1 9 V I SÃ O 93
Free download pdf