Eu me levanto rapidamente da cadeira, enfiando as muletas
sob meus braços. Os olhos castanhos da menina me observam
por trás de um par de óculos de aro fino enquanto eu vou para a
porta o mais rápido que posso.
— Tenha um bom dia! — Ela grita atrás de mim, alegre e
simpática. Eu consigo dar um sorriso de leve, mas os cantos da
minha boca não aguentam o esforço. Até mesmo a menor das
interações humanas me parece mais difícil do que correr nos
treinos. A realidade da morte de Kim é uma série de decepções
cotidianas. Momentos e lembranças que estão me consumindo
lentamente, até que não sobre mais nada.
Eu preciso de uma distração.
Saio da sorveteria e sigo inquieto pela rua.
Não posso ir para casa agora. Para o meu quarto com o canto
vazio onde as fotos dela costumavam ficar. Para o meu sofá
onde ficávamos acordados até tarde nas noites de sexta, vendo
filmes de terror até o sol nascer. Para o armário, onde ainda
estão dois pacotes fechados da batata Lays sabor churrasco que
ela adorava.
As portas douradas do cinema antigo na esquina se abrem e
um homem mais velho entra. As grossas letras pretas da fachada
à moda antiga me chamam.
Sigo até a bilheteria e compro um ingresso para a próxima
sessão, sem nem perguntar que filme é. Não importa.
Há mais ou menos uma dúzia de pessoas no cinema,
espalhadas, tentando escapar do calor da tarde de verão, mas eu
não reconheço ninguém. Noto um casal jovem dando risadinhas
bem no fundo, com as mãos entrelaçadas, e faço questão de me
sentar o mais longe possível deles.
Um minuto depois as luzes diminuem e eu encaro a tela,
assistindo os personagens entrarem e saírem de cena enquanto
minha mente faz o exato oposto. Ela se foca com teimosia na dor
latejante na minha perna, na pele ferida sob o meu braço, no fato
de Kimberly não estar sentada ao meu lado tentando adivinhar o
que vai acontecer no filme e estragando a surpresa.
Uma risada gutural do cara no meio da minha fila me distrai
da tentativa de esticar minha perna e eu percebo a tremenda
car0l
(CAR0L)
#1