Restinga Paralela = Parallel Restinga

(Vicente Mussi-Dias) #1
AS RESTINGAS DO NORTE

FLUMINENSE ENTRE OS

SÉCULOS XVI E XXI

À Norma Crud Maciel e à Dorothy Sue Dunn de Araujo,
sempre pioneiras

Introdução


Sem nos preocuparmos com o caráter “científico” dos co-
nhecimentos produzidos sobre as restingas do norte fluminense
entre os séculos XVI e XXI, pode-se concluir que os invasores de
origem europeia que passaram ou se instalaram na região notam
os seus ecossistemas cada vez menos e com o passar do tem-
po. As transformações operadas nos ambientes naturais foram
tão profundas que a paisagem construída passa a predominar. A
partir do século XVII, as informações começam a aparecer como
informações ligeiras. Do século XVIII em diante, elas se tornam
cada vez mais detalhadas, embora contaminadas por uma vi-
são pejorativa, com raríssimas exceções. Só mesmo a partir dos
anos de 1980 do século XX, a visão das restingas como ambien-
tes ecologicamente ricos e diversificados se impõe nos meios
científicos. Tentemos passar em revista estes conhecimentos no
que se refere aos meios físico e biótico.


De tal forma terras e águas estão entrelaçadas, no norte
fluminense, que se torna impossível falar das primeiras sem falar
nas segundas. Todos os que escreveram sobre as restingas da
região, entre os séculos XVI e XX, cientistas ou não, encontraram
dificuldades em efetuar tal separação. As águas dos rios, das la-
goas e do mar construíram e destruíram terras. A disposição das
terras constituiu a linha da costa, direcionou os cursos dos rios,
delimitou as lagoas. A rede hídrica é, inclusive, um dos traços
mais unificadores da região em estudo. Esclareça-se, todavia,
que a geologia e a geomorfologia só passaram a integrar a li-
teratura especializada muito recentemente. É, pois, com outros
olhos que relatos dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX enxergam este
ambiente.


As restingas no século XVI


Terras e águas. Os documentos sobre a região deixados
por europeus no século XVI não informam sobre os ecossiste-
mas nativos, detendo-se mais na definição de marcos territoriais,


em informações sobre os povos nativos e sobre as incipientes
iniciativas de montagem de um modo de vida ocidental em terras
tropicais. A carta de doação da Capitania de São Tomé a Pero de
Góis da Silveira por D. João III, assinada a 28 de janeiro de 1536,
confirmando o alvará de 10 de março de 1534, limita-se a esta-
belecer que os limites da capitania se estendiam trinta léguas ao
norte de Cabo Frio até Baixo dos Pargos. O Foral correspondente
à Carta, assinado em 29 de fevereiro do mesmo ano, igualmente
nada fala sobre as características das terras doadas a Pero de
Góis. Só com a iniciativa de ocupar efetivamente a Capitania de
São Tomé, alguns problemas surgidos serão registrados em do-
cumentos textuais, dando uma pálida ideia do terreno. A dificul-
dade de precisar o Baixo dos Pargos como divisor das Capitanias
de São Tomé e do Espírito Santo levou Pero de Góis e Vasco Fer-
nandes Coutinho, seus respectivos donatários, a buscarem um
limite sobre o qual não pairassem dúvidas. Este acordo foi refe-
rendado por D. João III em Carta de 12 de março de 1543. Nela,
aparece uma breve descrição da foz do rio Tapemeri, batizado
com o nome europeu de Santa Catarina, atualmente Itapemirim.
Segundo o documento, havia na boca do rio ilhotas de pedra que
afloravam com a baixa-mar. As cartas de Pero de Góis ao rei de
Portugal e a seu sócio, Martim Ferreira, trazem mais informações
sobre rios com desembocadura em restinga ou praia. Escrevendo
a Martim Ferreira em 12 de agosto de 1545, ele menciona o rio Pa-
raíba do Sul e o rio Managé, ambos com nome tupi e significando
o segundo “reunião do povo”, “ajuntamento”(1), hoje Itabapoana.
Iniciando a ocupação da Capitania com a fundação de um po-
voado denominado Vila da Rainha, ao sul da foz do rio Managé, e
com um porto e engenho na última queda d’água do mesmo rio,
Pero de Góis tinha os pés mais assentados nos tabuleiros do que
na restinga, de onde viu seu projeto de criar um núcleo europeu
na América sul-atlântica malograr por ação dos povos nativos(2)

Escrevendo em meados do século XVI, Jean de Léry relata
ter passado ao largo da desembocadura do rio Tapemiry, “onde
se encontram pequenas ilhas na entrada da terra firme”, confir-
mando, assim, a descrição de Vasco Fernandes Coutinho e Pero
de Góis a D. João III. Não menciona o rio Itabapoana e se refere
aos habitantes dos Paraíbas, por certo uma alusão ao rio Paraíba
do Sul. Logo em seguida, aparece, no diário do calvinista, a men-
ção à palavra restinga e a descrição de sua fisionomia, talvez a
primeira quanto à região:

A primeiro de março alcançamos uma
região de pequenos baixios, isto é, esco-
lhos e restingas salpicadas de pequenos
rochedos que entram pelo mar e que os
navegantes evitam passando ao largo.
Desse lugar avistamos uma terra plana na
extensão de 15 léguas(3)...
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