A obesidade está ligada a
um estado de inflamação
crônica que atrapalha a
reação do corpo contra
a Covid-19. Isso ajuda a
explicar os casos graves
pulmões acabam comprimidos. Diante de uma in-
fecção ali. a reação vai ser pior e mais exacerbada do
que em uma pessoa que respira sem nenhum tipo de
gordura na barriga e no tórax dificulta o trabalho doobstrução”, descreve Pi tom t^ ui^. Sc não bastasse, a^
diafragma e de músculos da região peitoral, caros a
uma respiração eficiente.
Dificuldades no hospital
Os desafios do excesso de peso se acentuam numa
internação | r Covid-19. Pacientes obesos exigem
equipes de enfermagem mais numerosas para ajudar
a movimentá-los no leito ou realizar o que eles cha-
mam de “pronar”. quando se coloca o doente de bar-
riga pra baixo a fim de facilitar a respiração. Profis-
sionais contam que nem sempre isso é possível na
ausência de braços e equipamentos. Até a intubação
destinada a remediar a insuficiência respiratória fica
mais complicada. Nesse procedimento, um tubo é
inserido na garganta do paciente para levar oxigênio
Ainda há muita discussão sobre o que. exatamen-
te, toma a obesidade em si uma adversária tão impla-
cável nas infecções pelo coronavírus. E tudo leva a
crer que não tenhamos um único motivo. A explica-
ção passa pelo próprio sistema imune. Ainda que
existam indícios de que os quilos a mais atrapalhem a
resistência contra vírus e bactérias, o que parece pesar
na Covid-19 é o estado de inflamação a que os obesos
mil operações
Supera essa marco o
número de cirurgias
bariátricas feitas no Brasil
em 2018-aumento de
85% em relação a 2011
estão mais propensos. Ativado ainda mais com a in-
fecção. ele sobrecarrega o organismo e limita sua rea-
ção. É como se fossem vários incêndios para apagar
ao mesmo tempo—e bombeiros insuficientes.
“Nesse indivíduo mais inflamado, a resposta imu-
nológica não é tão efetiva para curar a doença e ainda
a mais
É o risco de morte por
Covid-19 em pessoas com
obesidade mórbida em
comparação com quem
tem IMC normal
causa danos aos pulmões, tornando o quadro mais
grave”, explica o infectologista Paulo Abrão, professor
da Univesidade Federal de São Paulo (Unifesp). A gor-
dura excedente também impacta de outras formas. “É
preciso lembrar que a gordura não é só aquilo que a
gente vê”, avisa o endocrinologisla Mario Kedhi Car-
ra. presidente da Associação Brasileira para o Estudo
da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). O
médico se refera à presença dela dentro do abdômen e
ao redor de diversos órgãos, inclusive do coração.
Longe de ficar estática, essa gordura está associada à
liberação de substâncias inflamatórias. “Nessas cir-
cunstâncias, o paciente corre maior risco de falência
desses órgãos”, pontua Carra.
Os quilos de sobra ainda comprometem a capaci-
dade respiratória. “No abdômen mais volumoso, os
aos pulmões. “Como a pessoa obesa tem uma caixa
torácica mais pesada, a instalação do aparelho tende
a exigir mais esforço”, observa Carra.
Além dessas situações, que pedem mais recur-
sos dos hospitais para atender à população acima
do peso, as pesquisas mergulham em novas expli-
cações para a gravidade da Covid-19 nesse grupo
de indivíduos. As próprias células que alojam gor-
dura no corpo estão na mira. Um experimento da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) su-
gere que os adipócitos (o nome dessas células) não
só estão em maior quantidade nos obesos como
podem ser infectados pelo coronavírus. “No tecido
gorduroso, ele se reproduziria mais do que em ou-
tras regiões”, resume a descoberta Carra. Além de
poder abrigar uma carga virai maior, os adipócitos
estocariam o patógeno ativo por mais tempo, o
que, em tese, faria com que o sujeito o transmitisse
num período superior às duas semanas prescritas
para o fim do contágio.
Embora novos achados sobre o comportamento
do vírus apareçam praticamente toda semana, o que
já conta com uma massa de evidências confiáveis é o
falo de que a infecção tende a ser pior conforme o
peso e o grau de obesidade. Isso não quer dizer que
quem está com sobrepeso possa se descuidar e negli-
genciar as medidas de prevenção ao vírus. “É como
se fosse uma luz amarela, um sinal de que você está
fora do peso ideal, e isso não é uma coisa banal”,
compara Abrão. O elo entre o peso e a Covid-19 só
não pode virar motivo para preconceito ou gordofo-
bia. É com informação, respeito e acolhimento que
os dois problemas podem ser contornados. ®
46 VEJA SAUDE AGOSTO 2020