COMBO SAUDE - VOLUME 1

(O LIVREIRO) #1

Embora remeta a febre, tosse e falta de ar, a do-
ença pode provocar repercussões que a gente nem
imagina. ParaJulio Brandino, funcionário de uma
multinacional, o que mais chamou a atenção foi a
extrema falta de apetite e nào sentir mais o gosto
da comida. Ele, que tem 78 anos e jogava futebol
antes da pandemia, foi internado no Hospital São
Luiz de São Caetano do Sul (SP), onde recebeu oxi-
gênio mas. felizmente, não precisou de UTI. “De-
pois que o apetite voltou, senti meu corpo reagir e
melhorar a cada dia”, conta Júlio, que agradece aos
profissionais de saúde não só pela recuperação mas
por abrandar a solidão do isolamento.
Além da solidão, são muitos os temores ao en-
carar a Covid-19: contaminar a família, precisar
de internação e não ter leito disponível, ficar com
alguma sequela... A principio, a advogada Renata
Berenguer, de 30 anos, desconfiou que a dificul-
dade para respirar que sentiu cm um voo a cami-
nho de casa, no Recife, fosse sinusite. Estava en-
ganada. Mesmo com sintomas leves, entrou em
quarentena enquanto aguardava o resultado do
exame. “Quando testei positivo, a ansiedade ce-
deu lugar ao desespero: „Por que eu. meu Deus? O
que eu fiz de errado?'”, se perguntava.
Morando sozinha, diz ter sido barra encarar o
isolamento. Dormia mal. chorava muito. “Sentia
muita falta dos meus pais. De dar um abraço neles.
São coisas simples as quais, no dia a dia, a gente
nào dá valor.” A doença, logo constatou, era traiço-
eira. Às vezes, parece que tudo vai melhorar; dali a
pouco, há uma recaída. Certa vez. acordou com
tanta dor de cabeça que mal conseguiu se levantar
da cama. “Pensei que fosse morrer." Foi quando


abriu a Bíblia e leu o trecho do Novo Testamento


que compara a fé a um grão de mostarda. Começou
a rezar e, assim, adormeceu. “Se puderem, fiquem
em casa. O isolamento c um alo de amor”, prega.
Viver o isolamento social é, de fato, um dos
maiores desafios dos brasileiros que se infecta-
ram. Se já é difícil para quem mora sozinho, o que
dizer de quem divide uma casa de três pavimentos
com a mãe. duas filhas, dois genros e um neto? É o
caso da aposentada Maria Roscntina. de 65 anos,
uma das 700 mil pessoas que moram na Rocinha,
no Rio de Janeiro, a maior favela da América do
Sul. “O espaço é muito pequeno. Tem umidade e
falta ventilação‟‟, descreve. Quando testou positi-


vo, graças ao projeto Favela sem Corona. tentou
se isolar num dos cômodos. Não conseguiu. Como
o banheiro era um só para todo mundo, o jeito era
limpá-lo o maior número de vezes com cloro e de-
sinfetante. Quando surgia alguma dúvida, ligava
para a plataforma Missão Covid. que oferece
atendimento gratuito à população. Três vezes por
semana, fazia compras em um dos mercados da
comunidade. “Morria de medo de ser internada.
Ficar sozinha no quarto é horrível. No hospital,
nem se fala" desabafa.
Foi para superar o confinamento que o cantor
Dinho Ouro Preto, de 56 anos, criou um “diário
virtual". Desde que foi diagnosticado, no dia 25 de
março, o vocalista do Capital Inicial tem usado as
redes sociais para compartilhar seus dilemas c ex-
periências. “Diante de algo tão avassalador, o po-
der da empatia é comovente" agradeceu no dia 18
dc abril. Ao longo das semanas, Dinho afirmou ter
travado uma batalha sem tréguas. “Sinto como se
meu corpo estivesse em guerra”, escreveu no dia
26 de março. “Esse vírus é uma pedrada. Nunca
peguei algo tão forte. E olha que já peguei muita
coisa", acrescentou, três dias depois, fazendo alu-
são a episódios de H1N1 e dengue que já enfren-
tou. Hoje recuperado, ele se lembra de ter ficado
particularmente assustado com a febre ininter-
rupta c a dificuldade para respirar.
Mas não são todos que, a exemplo de Dinho,
recebem manifestações de carinho e solidarieda-
de. O cirurgião plástico Antônio Carlos Minuzzi
Filho, de 36 anos, revela outra faceta da pande-
mia: o preconceito. Durante sua quarentena em
Porto Alegre (RS), ele e a família foram alvos da
intolerância de alguns vizinhos. “O pessoal queria
que a gente saísse do prédio", conta. Para o infec-
tologista Alberto Chebabo. da Dasa. isso não faz
sentido. “O paciente que está curado não tem ris-
co de contaminar mais ninguém. Até porque gran-
de parte da população, algo em torno de 70%, vai
se infectar. Alguns com quadros mais graves, ou-
tros mais leves", explica. Restabelecido da infec-
ção. Antônio Carlos dá dois conselhos a quem
testou positivo: "Não entre em desespero” e "Não
subestime o vírus”. “Se os sintomas são leves, fi-
que em casa. Mas, se o quadro piorar, não pense
duas vezes: busque atendimento médico", orienta.
Fica a dica de quem sobreviveu à Covid-19. •

“No Brasil, estamos
transformando um
problema de saúde
pública no terceiro tumo
das eleições. Isso é triste.
Era o momento de o
Brasil se unir contra
o vírus. Não faz
sentido usar ideologia
política para negar
uma realidade. É
uma ignorância
sem tamanho negar
a virulência desta
pandemia. Não
acredito que a gente
vã sair melhor dessa.
Não é isso que a gente
tem visto. No começo,
vimos as pessoas muito
agressivas correndo
aos supermercados
para comprar o que
encontrassem pela
frente. Espero que, com
o tempo, as pessoas
tenham um pouco
mais de empatia e
de amor ao próximo.
Espero também que a
humanidade pare um
pouco para pensar
para onde está indo.
Por outro lado, estou
otimista em relação
ao futuro da medicina.
Os médicos estão
colocando sua vida em
risco para atender os
pacientes. Tenho fé que,
em breve, eles vão achar
uma vacina para acabar
com esse vírus "
Daniela Teixeira
advogada 48 anos

VEJA SAUDE MAIO 2020 59
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