EBOOK-TEMPO-DE-VOAR (1)

(MARINA MARINO) #1

testa da adversária; e a fome , que ainda se deliciava com
a zombaria dramatizada pela companheira, pegou de sua
balança e, mostrando-a à morte , abaixou um dos seus
pratos para si, transmitindo a ideia de que a desigualdade
de forças implicaria a destruição da desafeta.


Neste instante, ouviu-se por todo o salão uma crise
alucinante de tosse. Era aquela mesma septuagenária
que há pouco mudara a intenção da morte. Daí que esse
contratempo vinha relembrá-la daquela saborosa
vingança. E a reconduzia ao necessário equilíbrio.


A morte , então, jogou para o lado a sua foice – o que
a todas surpreendeu – , e, sem tirar os olhos das
opositoras, agachou-se e pôs no chão a sua ampulheta.
Depois, reergueu-se, e, com a calma dos vencedores,
começou a falar:



  • Caríssimos ex-colegas, vou contar uma história
    bem interessante. Creio que não se negariam a conceder
    esta última vontade a esta patética criatura, a este
    inofensivo adversário, como bem insinuaram.


Os três cavaleiros se entreolharam, mantiveram-se
em silêncio, mas permaneceram de sobreaviso. Bem
conheciam as muitas artimanhas da morte , e, por isso
mesmo, sabiam que de suas mangas sempre haveria
cartas a serem retiradas. Mas como a atitude que ela
tomara deixou-os um tanto perplexos, outra reação não
tiveram senão a de se conservarem de olhos e ouvidos
bem abertos.

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