VOO LIVRE REVISTA LITERÁRIA Nº 15

(MARINA MARINO) #1

Palavras e Pontos por Regina Ruth


dorme calmamente, não me
incomoda,nãoestouaflita.


Arre! Ainda bem que estamos
chegando! Jásepodeveracidadelá
adiante...Émuitobomchegar.


Fecho o livro, guardo-o na
bolsa, passo um pente nos cabelos.
Olho do lado. Minha parceira ainda
dorme.


─Senhora!
Toco-lhe o braço de mansinho
para não assustá-la. Coisa horrívelé
acordarsobressaltada!


─Senhora,jáchegamos!
Incrívelaprofundezadosono!
Inérciaabissal! Nãoconsigoacordá-
la...


─Senhora,porfavor,acorde!Já
chegamos...


MeuDeus,elanãoacorda!Fico
apavorada. O sono está muito
estranho, já a sacudi de todas as
maneiras. As pessoas percebem a
minha aflição, devo estar com avoz
alterada! Em segundos, várias
pessoas se juntam tentando acordá-
la. Minha angústia cresce, percebo
que não está apenas dormindo, algo
maissérioestáacontecendo!Esta


afliçãoexplodequandoumhomem,que
apóstertentadoacordá-la,diz:
─ Está morta! Esta mulher está
morta!
Afundo-me no banco. Um gosto
estranho na boca, uma sensação de
fragilidade extrema, de desamparo, de
incredulidade, um vazio imenso.
Perdidaemmeuspensamentosnãome
atenho ao que se passa em redor. É
muitoconfuso,vejomuitaspessoas,um
corre-corre danado, vozes alteradas,
todos falam ao mesmo tempo, todos
queremvê-la,algunssebenzem...
Quandodoupormim,obancoao
meuladoestávazio.Elasefoi...Jáhavia
idomesmo! O sonoéirmão damorte.
Quemorte santa! Será que foi quando
seusdedospararamdecorrerascontas
dorosário?!Seráquefoiamortequelhe
deixou a feição mais leve?! Como não
percebi...Porquenãofezumsinal,não
exalou um gemido, não pediu ajuda?
Coitada, tal vida, tal morte. No banco,
ainda amarfanhado pelo peso do seu
corpo,entreasduaspoltronas,orosário
caído.Elamesmaseabençoou...
─ Dona, o ônibus vai pra gara-
gem! A senhora precisa apear...
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