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Banco Central do Brasil

Revista Carta Capital/Nacional - Colunistas
sexta-feira, 12 de novembro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

distinção. Apoiada na última variante da terceira via,
discute-se hoje, no Brasil, a proposta de uma terceira
via entre Bolsonaro e Lula, ou seja, entre direita e
esquerda ou, para alguns, entre extrema-direita e
extrema-esquerda.


Logicamente, as terceiras vias não se entendem sem as
polarizações que lhes servem de base e estas tanto
podem corresponder a realidades polares concretas
quanto a construções imaginadas de polarização. Por
outro lado, as diferenças reais entre os polos podem ser
muito menores daquelas que têm de ser imaginadas
para abrir espaço à terceira via. Historicamente, as
terceiras vias foram sempre um modo de acomodação
ao polo de que os seus proponentes se sentiam mais
próximos.


Essa proximidade foi muitas vezes genuína, mas
frequentemente resultou do cruzamento de imposições.
Leão XIII estava mais próximo do capitalismo, porque os
socialistas eram ateus ou agnósticos. Os social-
democratas alemães tinham mostrado a sua vocação
nacionalista, oposta ao internacionalismo revolucionário,
ao votar, em 1914, a favor dos créditos para a guerra,
donde eclodiu a divisão no movimento operário alemão
(e depois europeu) entre partidos comunistas e partidos
socialistas. Os não alinhados foram obrigados a colher-
se ao polo que dominava na sua zona de influência,
com exceção de Cuba, que se acolheu, mais por
necessidade do que por opção, ao bloco soviético
enquanto ele existiu. Os trabalhistas ingleses e todos os
partidos socialistas europeus que os seguiram há muito
tinham abandonado qualquer ideia socialista
democrática e adotavam políticas de acomodação às
exigências do capitalismo nacional e global. O Partido
Social-Democrata alemão (SPD) tinha rejeitado a leitura
marxista da sociedade no Congresso de Bad
Godesberg, em 1969.


À luz dessa história, a recente terceira via brasileira não
oferece surpresas. Assenta numa polarização que é
falsa e distorcida. É falsa na medida em que Bolsonaro,


em face de tudo o que fez e disse e das conclusões da
CPI, não é um candidato viável ou, se viável, não é
minimamente confiável e, neste caso, a terceira via
pretendida pela direita é de fato uma segunda via
disfarçada de terceira. É distorcida porque, por um lado,
se é verdade que Bolsonaro representa uma extrema-
direita tresloucada, muito da sua agenda político-
econômica corresponde à agenda da direita e, por isso,
esta, ao promover uma terceira via, está a pretender o
bolsonarismo sem Bolsonaro. E porque Lula não é nem
nunca foi de extrema-esquerda e, no passado, articulou-
se muitas vezes com a direita por pensar (erradamente,
em minha opinião) que há no Brasil uma direita capaz
de pôr a defesa da democracia acima da defesa dos
seus interesses, quando real ou imaginariamente
ameaçados.

Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
Econômico - Colunistas
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