30 Le Monde Diplomatique Brasil^ JANEIRO 2022
LUTA CONTRA O SEXISMO COTIDIANO
As mulheres japonesas
não querem mais se calar
O triunfo do Partido Liberal Democrata nas eleições legislativas de outubro de 2021 no Japão
vem acompanhado por uma derrota do feminismo, com uma queda no número de mulheres
eleitas. Entretanto, com a ajuda do movimento #MeToo, vozes aparecem e mobilizações se
formam. Mas ainda não conseguem franquear as portas das empresas nem dos parlamentos
POR CHRISTINE LEVY*
F
oi a primeira vez que a lei de 2018
“para promover a participação
comum de homens e mulheres
na política” – conforme seu pró-
prio nome – foi aplicada a uma eleição
legislativa. Porém, o resultado das elei-
ções de 31 de outubro de 2021 exibiu
um declínio na proporção de mulheres
eleitas para a Câmara dos Deputados:
45 deputadas para 465 assentos, contra
47 anteriormente. O Japão está em 164º
lugar (entre 190 países) na classificação
de paridade de gênero na política.
As feministas japonesas queriam
que a lei incluísse a obrigação de alcan-
çar “uma distribuição equitativa de can-
didatos homens/mulheres”, mas encon-
traram a oposição firme dos parlamen-
tares de direita,^1 e a versão ratificada
contentou-se em pedir que os partidos
façam “o máximo esforço possível”.
Na última eleição, o Partido Libe-
ral Democrata (PLD), no poder, apre-
sentou 9,7% de candidaturas femini-
nas, enquanto o Partido Democrático
Constitucional (PDC, centro-esquer-
da), principal força da oposição, foi
apenas um pouco mais ousado, com
18,4% de candidatas.^2 Somente o Par-
tido Comunista (35,4%) e o Partido
Social Democrata (60%) se revelaram
bons alunos, embora este último tenha
apresentado apenas nove candidaturas.
Isso significa que a influência das
feministas é insignificante? Embora seu
trabalho seja duro, nos últimos anos
uma agitação se fez sentir na socieda-
de. Uma prova disso foi a inauguração,
em janeiro de 2021, da primeira livraria
feminista de Tóquio, por Matsuo Akiko,
que fundou a editora Et Cetera Books.
Com a escritora Kitahara Minori, ela
havia lançado o movimento #MeToo
#WithYou, convocando manifestações
contra a absolvição de autores de agres-
são sexual comprovada, após quatro jul-
gamentos em março de 2019. O tribunal
regional de Nagoya tinha então liberado
um pai que teve relações sexuais com
a filha desde que ela tinha 13 anos, du-
rante seis anos, porque “[permanecia]
dúvida sobre o fato de que ela se encon-
trava na impossibilidade de repelir esses
atos”. O mesmo veredicto foi dado no
tribunal de Shizuoka no caso de um pai
acusado de estuprar a filha, com 12 anos
na época, em razão da falta de coerên-
cia dos depoimentos da vítima. O tribu-
nal de Fukuoka absolveu um executivo
acusado de estuprar uma empregada a
quem ele embebedou – e cuja “impos-
sibilidade de resistir” estava, portanto,
bem comprovada –, sob a alegação de
que ele, o acusado, não tinha consciên-
cia disso. Mesmo desfecho no tribunal
de Shizuoka para um homem que estu-
prou uma mulher depois de espancá-la,
sob o pretexto de que ele não era capaz
de entender que o torpor dela significa-
va uma recusa. Após as manifestações,
os três primeiros acabaram sendo con-
denados no julgamento da apelação.
UMA LUTA TRAVADA HÁ DÉCADAS
Desde então, esses encontros, conheci-
dos como Manifestações das Flores, tor-
naram-se um espaço no qual as vítimas
de estupro e incesto podem falar. Eles
são realizados regularmente, no dia 11 de
cada mês. Como explica a escritora Kitah-
ara Minori, “com a palavra de ordem ‘Wi-
thYou’, finalmente dissemos estar pron-
tas a ouvi-las e acreditar nelas. Faltava
um ambiente seguro para que pudessem
falar. Agora, temos um lugar onde todos
podem contar sua história e expressar
sua solidariedade, o que na maioria das
vezes faz uma falta cruel às vítimas”.^3
Podemos dar às feministas e a suas
ações o crédito pela redução da tole-
rância em relação à violência sexual e
doméstica. Essa luta já dura décadas,
como mostra a socióloga Ueno Chizuko,
em Une idéologie pour survivre,^4 em que
ela relata os debates para acabar com a
impunidade dos atos de agressão. O mo-
vimento feminista também luta contra
a discriminação e a misoginia, em par-
ticular por meio do site da Associação
para Denunciar os Comentários Sexistas
do Prefeito Ishihara e Fazê-los Desa-
parecer do Espaço Público, criado em
1999, que premia os comentários sexis-
tas realizados por homens e mulheres
públicos. Em 2021, o prêmio ficou em-
patado entre Sugita Mio e Mori Yoshiro.
A primeira, deputada pelo PLD, que tem
o hábito de desferir provocações antife-
ministas e anti-LGBTQIA+, declarou, em
setembro de 2020, para justificar o vere-
dicto dos quatro julgamentos de março
de 2019, que as “mulheres podem men-
tir o quanto quiserem”.^5
Já Mori Yoshiro, presidente do Comitê
Organizador dos Jogos Olímpicos e Para-
límpicos de Tóquio (Tocog), foi destacado
por suas declarações de 3 de fevereiro de
2021 sobre as mulheres que “têm dificul-
dade para encerrar suas falas”,^6 atrasando
assim os debates, as quais provocaram
indignação no Japão e no exterior. Uma
petição lançada no dia seguinte reuniu
em dois dias mais de 110 mil assinaturas
pedindo “sanções apropriadas”. Em 7 de
fevereiro, uma pesquisa mostrou que 60%
dos japoneses consideravam que Mori
não tinha mais lugar à frente do Tocog,^7
e quase mil voluntários decidiram aban-
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