Macro
- EXAME. DEZEMBRO 2021
Um teste fácil de fazer é tentar explicar
a alguém o que é saldo estrutural. Um in-
dicador central na avaliação das contas de
cada país, que tem como ponto de partida
o saldo orçamental (aquele que vê nas no-
tícias, normalmente como “défice”), mas
que exclui medidas extraordinárias e flu-
tuações do ciclo económico, sendo calcula-
do em percentagem do PIB potencial, cuja
estimativa é complicada de fazer e, acima
de tudo, muito incerta. As revisões do sal-
do estrutural nos anos seguintes chegam
a ser maiores do que o ajustamento anual
exigido aos países. Cansado? Ministros das
Finanças e economistas também.
Carlos Marinheiro, membro do Con-
selho Superior do Conselho das Finanças
Públicas (CFP) e responsável por aferir se
Portugal está a cumprir as regras, reconhece
o problema. “É consensual que o enquadra-
mento orçamental europeu se tornou ex-
cessivamente complexo. Essa complexidade
é reconhecida pela própria Comissão Eu-
ropeia”, refere. A intenção de indicadores
como o saldo estrutural era boa. “Resulta
da vontade de “codificar” a resposta a todas
as circunstâncias económicas possíveis, fu-
gindo de uma aplicação demasiado simplis-
ta da operacionalização inicial dos critérios
do tratado”, acrescenta Marinheiro. Mas ela
criou uma cortina de fumo que retira previ-
sibilidade aos governantes e dificulta a apre-
ensão das regras pelos cidadãos.
“As regras são muito complicadas. Isso
é uma característica de muitos sistemas le-
gais, mas na lei europeia há mais incerteza,
principalmente na área orçamental”, reco-
nhece Tridimas, para quem este problema
se torna mais grave quando o incumpri-
mento destes limites resulta em sacrifícios
para a população via austeridade. Com eles
vem também um problema de responsabi-
lização. “Não é claro quem toma a decisão.
É a União Europeia? É o Estado-membro?
É o MEE [Mecanismo Europeu de Estabi-
lidade]? Há muita incerteza.”
“ISSO É TÃO 1992”
Pode também questionar-se se as regras
cumprem sequer a sua função e se se ade-
quam à gestão de ciclos económicos. Elas
não impediram o grande crescimento do
endividamento dos Estados antes da crise
da dívida de 2010 e foram, depois, usadas
para justificar novas políticas pró-cícli-
cas de austeridade, hoje consensualmente
vistas como um erro.
Mas talvez a crítica que esteja a ganhar
mais força é a ideia de que os limites pre-
vistos nos tratados já não estão adaptados
à realidade de 2021. Parte do problema é
a realidade dos próprios países. Quando
o Tratado de Maastricht foi assinado, em
1992, o limite de 60% da dívida era mais
ou menos a média de endividamento pú-
blico dos países europeus. Hoje, só há seis
países do euro abaixo desse valor, com
sete acima de 100%. A Grécia está acima
de 200% e Portugal perto dos 130%. Fran-
ça, Espanha e Itália também estão no clu-
be dos três dígitos.
Aumentar o limite de endividamen-
to seria bastante conveniente para todos
estes países, mas talvez os seus níveis de
dívida sejam menos dramáticos do que
nos habituámos a pensar. Provavelmen-
É consensual que
o enquadramento
orçamental
europeu se tornou
excessivamente
complexo
Carlos Marinheiro
Conselho das Finanças Públicas