Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

e rachadas. Mais do que tudo, o vilarejo parecia cansado de brigar com os
elementos, e era como se houvesse simplesmente baixado a guarda.
O cais de Barkley Cove, cheio de cordas esgarçadas e pelicanos velhos,
avançava para dentro da pequena baía cuja água, quando calma, refletia os
vermelhos e amarelos dos barcos de pescar camarão. Estradas de terra batida
ladeadas por casinhas de cedro serpenteavam por entre as árvores, rodeavam lagoas
e margeavam o oceano de um lado e outro das lojas. Barkley Cove era
literalmente uma cidadezinha perdida no meio do mar, com partes espalhadas aqui
e ali entre os estuários e juncos feito um ninho de garça varrido pelo vento.
Descalça e usando um macacão curto demais, Kya ficou parada no ponto em
que a estrada do brejo encontrava a de asfalto. Mordendo os lábios, querendo
correr para casa. Não conseguia pensar no que dizer às pessoas, em como iria se
virar com o dinheiro das compras. Mas a fome era uma coisa insistente, então ela
entrou na Main e foi de cabeça baixa em direção ao Piggly Wiggly por uma
calçada esburacada que aparecia de vez em quando por entre tufos de grama.
Quando estava chegando perto da Five and Dime, ouviu uma agitação atrás de si
e pulou para o lado bem na hora em que três meninos alguns anos mais velhos do
que ela passaram depressa de bicicleta. O da frente olhou para trás, rindo por
quase tê-la atropelado, e então por pouco não trombou com uma mulher saindo
da loja.
— CHASE ANDREWS, volte aqui agora mesmo! Vocês três, meninos.
Eles pedalaram por mais alguns metros, então mudaram de ideia e se
aproximaram da mulher, Srta. Pansy Price, vendedora de tecidos e artigos de
armarinho. A família dela fora dona da maior fazenda nos arredores do brejo, e,
embora tivessem sido forçados a vender tudo muito tempo atrás, ela continuava
no papel de elegante senhora de terras. O que não era fácil morando num
apartamento minúsculo em cima do restaurante. A Srta. Pansy costumava usar
chapéus no formato de turbantes de seda, e naquela manhã estava com um cor-
de-rosa que realçava seu batom vermelho e as bolinhas de ruge.
Ela deu uma bronca nos meninos.
— Estou quase indo lá falar com as mães de vocês sobre isso. Ou melhor, com
os pais de vocês. Andar de bicicleta na calçada nessa velocidade, quase me
atropelando. Que que vai dizer para se defender, Chase?
Era ele quem tinha a bicicleta mais estilosa: selim vermelho, guidom cromado
e mais alto do que o normal.
— Pedimos desculpas, Srta. Pansy, a gente não viu a senhora porque aquela
menina lá se meteu no caminho.
Chase, bronzeado e de cabelo escuro, apontou para Kya, que havia recuado e
estava quase dentro de um arbusto de murta.
— Deixem ela para lá. Vocês não podem colocar a culpa dos seus pecados nos
outros, mesmo no lixo do pântano. Agora, meninos, vocês têm que fazer uma
boa ação para compensar isso, viu? Lá vai a Srta. Arial com suas compras...
Ajudem ela a carregar tudo até a picape. E metam a camisa para dentro das calças.
— Sim, senhora — disseram os meninos ao mesmo tempo que saíam
pedalando na direção da Srta. Arial, que tinha sido a professora de todos eles no

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