42.
Uma cela
1970
Feixes de luz melancólicos entravam pela janela minúscula da cela de Kya. Ela
encarou as partículas de poeira dançando em silêncio na mesma direção, como
quem segue sonhadoramente um líder. Desapareceram ao chegarem às sombras.
Sem o sol não eram nada.
Ela puxou o baú de madeira, sua única mesa, até debaixo da janela, situada
mais de dois metros acima do chão. Usando um macacão cinza com os dizeres
DETENTO DO CONDADO nas costas, subiu no baú e ficou olhando para o
mar, quase impossível de ver por trás do vidro grosso e das barras da janela. Ondas
com cristas brancas de espuma batiam e esguichavam água, e pelicanos voavam
baixo por cima das ondas, inclinando a cabeça à procura de peixes. Se esticasse o
pescoço o suficiente para a direita, ela via a coroa espessa do limite do brejo. Na
véspera tinha visto uma águia mergulhar e se contorcer atrás de um peixe.
A cadeia do condado consistia em seis celas de um pouco mais de dez metros
quadrados num prédio de cimento de um andar só atrás do escritório do xerife, na
periferia da cidade. As celas eram enfileiradas no sentido do comprimento do
prédio; de um lado só, para os detentos não verem uns aos outros. Três das
paredes eram feitas de blocos úmidos de cimento; a quarta era toda de grades,
incluindo a porta trancada. Cada cela tinha uma cama de madeira com um
colchão de algodão cheio de calombos, um travesseiro de penas, um cobertor de
lã cinza, uma pia e uma mesa de caixote de madeira, além de uma privada. Acima
da pia não havia um espelho, mas uma imagem emoldurada de Jesus pendurada
pelo Voluntariado de Senhoras da Igreja Batista. A única exceção aberta para ela,
a primeira detenta mulher em anos — tirando os pernoites —, era uma cortina de
plástico cinza que fechava entre a pia e a privada.
Por dois meses antes do julgamento, ela fora mantida naquela cela sem direito
a fiança por causa da tentativa fracassada de fugir do xerife de barco. Kya se
perguntou quem tinha começado a usar a palavra cela no lugar de gaiola. Devia ter
havido um momento em que a humanidade exigira essa mudança. Seus braços
estavam riscados com uma teia de marcas vermelhas onde ela mesma havia se
arranhado. Durante uma quantidade indefinida de minutos, sentada na cama, ela