Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

uma corrente elétrica. Ela fechou os olhos diante daquela aceitação tão fácil. Uma
pausa profunda numa vida inteira de anseio.
Com medo de se mexer, ficou sentada rígida até sentir cãibra na perna, então
se mexeu de leve para esticar os músculos. Sem abrir os olhos, Justiça de
Domingo desceu do seu colo e se enroscou ao lado dela. Kya se deitou
completamente vestida e os dois se acomodaram. Ela o observou dormir, então
também caiu no sono. Não uma queda rumo a um despertar sobressaltado, mas
um deixar-se ir, enfim, em direção a uma calmaria vazia.
Durante a noite, abriu os olhos e observou o gato dormindo de barriga para
cima, as patas dianteiras esticadas numa direção, as traseiras numa outra. Quando
acordou de manhãzinha ele tinha ido embora. Um gemido escapou com
dificuldade da sua garganta apertada.
Mais tarde, Jacob apareceu do lado de fora da cela com a bandeja de café da
manhã numa das mãos e com a outra destrancando a porta.
— Está aqui seu mingau de aveia, Srta. Clark.
Ela pegou a bandeja e disse:
— Jacob, o gato preto e branco que dorme na sala do tribunal... Ele veio aqui
essa noite.
— Ah, me desculpe, senhorita. É o Justiça de Domingo. Às vezes ele entra
quando eu não vejo porque estou carregando as bandejas com a janta. Acabo
fechando ele aqui dentro com vocês.
Teve a bondade de não dizer trancando.
— Tudo bem. Eu gostei de ter ele aqui. Por favor, pode deixar ele entrar
sempre que o vir depois do jantar? Ou na hora que for.
Ele a encarou com uma expressão suave.
— Claro que posso. Vou fazer isso, sim, Srta. Clark, vou fazer com certeza. Dá
para ver que ele seria uma ótima companhia.
— Obrigada, Jacob.
Naquela noite, Jacob voltou.
— Aqui está sua comida agora, Srta. Clark. Frango frito e purê com molho lá
da lanchonete. Tomara que a senhorita consiga comer hoje.
Kya se levantou e olhou ao redor dos pés dele. Pegou a bandeja.
— Obrigada, Jacob. Viu o gato por aí?
— Não. Não vi, não, senhorita. Mas vou ficar de olho.
Kya aquiesceu. Sentou-se na cama, o único lugar que havia para se sentar, e
ficou encarando o prato. Ali na cadeia a comida era a melhor que ela já vira na
vida. Cutucou o frango, empurrou o feijão-verde. Agora que havia encontrado
comida, tinha perdido a fome.
Então ouviu o barulho de uma fechadura girando e a porta pesada de metal se
abrindo.
No fim do corredor, ouviu Jacob dizer:
— Vá lá, então, Sr. Justiça de Domingo.
Prendendo a respiração, Kya ficou olhando para o chão do lado de fora da sua
cela, e, poucos segundos depois, Justiça de Domingo apareceu. As marcas da sua
pelagem eram ao mesmo tempo surpreendentemente nítidas e suaves. Sem hesitar

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