Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

No fim do dia, o sol se pondo atrás da lagoa, ele foi preparar mingau de milho
para as gaivotas e por acaso olhou para o piso da cozinha. Inclinou a cabeça ao
notar pela primeira vez que o linóleo não fora instalado debaixo da pilha de lenha
nem do fogão antigo. Kya mantinha a pilha de lenha bem alta, mesmo no verão,
mas agora estava baixa, e ele viu o canto de um recorte na tábua do piso. Pôs de
lado os pedaços restantes de lenha e viu um alçapão recortado nas tábuas de
pinheiro. Ajoelhou-se e o abriu devagar, e encontrou ali, no meio das vigas que
sustentavam o piso, um compartimento secreto que continha, entre outras coisas,
uma caixa velha de papelão toda empoeirada. Tirou-a de lá e viu que havia
dezenas de envelopes pardos e uma outra caixa menor dentro. Todos os
envelopes estavam marcados com as iniciais A.H., e deles Tate retirou páginas e
mais páginas de poemas de Amanda Hamilton, a poeta da região que havia
publicado versos simples em revistas regionais. Ele achava os poemas de Hamilton
bastante fracos, mas Kya sempre guardara os recortes das publicações, e aqueles
envelopes estavam repletos deles. Algumas páginas eram poemas concluídos, mas a
maioria estava inacabada, com versos riscados e algumas palavras reescritas na
margem com a caligrafia da autora... a caligrafia de Kya.
Amanda Hamilton era Kya. Kya era a poeta.
O rosto de Tate se contorceu de incredulidade. Ao longo dos anos, ela
guardara os poemas na caixa enferrujada e os enviara para veículos da região.
Protegida por um pseudônimo. Talvez tivesse sido um apelo, um modo de
expressar seus sentimentos para alguém além das gaivotas. Algum lugar para onde
suas palavras pudessem ir.
Ele deu uma olhada em alguns dos poemas, a maioria sobre natureza ou amor.
Um deles muito bem dobrado dentro de um envelope à parte. Ele o pegou e leu:


O   vaga-lume
Atraí-lo foi fácil
Como cartões bem coloridos.
Mas como a fêmea do vaga-lume faz a corte
Eles escondiam um chamado secreto de morte.

Um  último  toque,
Inacabado;
O último passo, uma armadilha.
Lá vai ele, lá vai ele caindo,
Os olhos ainda encarando os meus
Até verem outro mundo.

Eu  os  vi  mudar.
Primeiro uma pergunta,
Depois uma resposta,
Por último, um final.

E   o   amor    em  si  virando
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