Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Sim, essa aqui é a minha filha, Srta. Kya Clark.
— Ora, estou muito orgulhoso de conhecer a senhora, Srta. Kya.
A menina examinou os dedos dos pés descalços, mas não encontrou palavra
nenhuma.
Pulinho não se abalou e seguiu falando sobre a boa pescaria dos últimos
tempos. Então perguntou a Pa:
— Encho o tanque, Sr. Jake?
— Isso, pode encher até a tampa.
Os dois falaram sobre clima, pescaria, depois outra vez sobre clima até o
tanque encher.
— Então bom dia para vocês — disse Pulinho ao lhes jogar a corda.
Pa voltou devagarinho para o mar claro... O sol levava menos tempo para
devorar a névoa do que Pulinho para encher um tanque. Eles rodearam
resfolegando uma península coberta de pinheiros por vários quilômetros até
Barkley Cove, onde Pa amarrou o barco nas estacas corroídas do cais da cidade.
Pescadores iam para lá e para cá, embalando peixe, amarrando cordas.
— Acho que a gente pode comprar alguma coisa no restaurante — disse Pa, e
conduziu-a pelo cais em direção ao Barkley Cove Diner.
Kya nunca tinha comido em restaurante; nunca tinha pisado lá dentro. Seu
coração batia acelerado quando ela limpou a lama seca do macacão curto demais e
arrumou o cabelo embaraçado. Quando Pa abriu a porta, todos os clientes
imobilizaram no meio da mordida. Alguns homens balançaram de leve a cabeça
para Pa; as mulheres franziram a testa e viraram o rosto. Uma delas falou com
desdém:
— Bom, eles com certeza não sabem ler camisa e sapatos obrigatórios.
Pa fez um gesto para Kya se sentar a uma mesinha virada para o cais. Ela não
conseguia ler o cardápio, mas ele lhe disse a maior parte, então ela pediu frango
frito, purê de batatas, molho, feijão-verde e pães tão fofinhos quanto algodão
recém-colhido. Ele pediu camarão frito, mingau de milho com queijo, quiabo e
tomates verdes fritos. A garçonete pôs na mesa um prato inteiro de pacotes
individuais de manteiga sobre cubos de gelo e um cesto de pão de milho e
pãezinhos, e todo o chá gelado com açúcar que eles conseguissem beber. Eles
então comeram de sobremesa torta de amora com sorvete. Kya ficou tão cheia
que pensou que talvez fosse passar mal, mas tinha valido a pena.
Quando Pa estava no caixa pagando a conta, Kya foi para a calçada, onde o
cheiro de podridão dos barcos de pesca pairava acima da baía. Segurava um
guardanapo engordurado em volta do frango e dos pãezinhos que tinham
sobrado. Os bolsos do seu macacão estavam cheios de pacotes de biscoito salgado
que a garçonete havia deixado em cima da mesa para quem quisesse pegar.
— Oi.
Kya ouviu uma vozinha atrás de si e, ao se virar, viu uma menina de uns
quatro anos e cachos louros com os olhos fixos nela. Usava um vestido azul-claro
e estendeu a mão. Kya ficou encarando aquela mãozinha; era macia e fofa, e
talvez fosse a coisa mais limpa que Kya já tinha visto na vida. Jamais esfregada
com sabão de soda, certamente sem lama de mariscos sob as unhas. Ela então

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