os dedos naquela lindeza — o único vestido que Pa não havia queimado — e
tocava as florzinhas rosa. A parte da frente estava com uma mancha marrom
desbotada logo abaixo das alças, sangue talvez. Mas já estava fraca, lavada e
esfregada como outras lembranças ruins.
Kya passou o vestido pela cabeça, deslizando-o pelo corpo magro. A barra
descia quase até os dedos dos pés; não estava bom. Ela o tirou, pendurou-o para
aguardar mais alguns anos. Seria uma pena cortá-lo, usá-lo para catar mariscos.
Alguns dias mais tarde, Kya foi de barco até Point Beach, um avental de areia
branca vários quilômetros ao sul do posto de Pulinho. O tempo, as ondas e os
ventos a haviam moldado até transformá-la numa ponta alongada que acumulava
mais conchas do que as outras praias, e ela havia encontrado algumas raras ali.
Depois de amarrar o barco na ponta sul, começou a andar para o norte, à procura.
De repente, vozes distantes — estridentes e animadas — chegaram flutuando no
ar.
Na mesma hora, ela atravessou a praia correndo em direção à mata, onde havia
um carvalho com quase vinte e cinco metros de um lado a outro mergulhado até
os joelhos em samambaias tropicais. Escondeu-se atrás da árvore e observou um
bando de crianças virem andando pela areia, correndo de vez em quando para o
meio das ondas e chutando a espuma do mar. Um menino disparava na frente;
outro lançava uma bola de futebol americano. Contrastando com a areia branca,
as cores vivas dos shorts de algodão deles os faziam parecer pássaros coloridos e
marcavam a mudança de estação. Era o verão que vinha andando pela praia na
direção dela.
Conforme eles se aproximaram, ela se encostou no carvalho e espiou por trás
do tronco. Cinco meninas e quatro meninos, um pouco mais velhos do que ela,
com uns doze anos talvez. Ela reconheceu Chase Andrews lançando a bola para
os meninos com quem ele andava sempre.
As meninas — Louraaltaemagra, Rabodecavalocomsardas, Cabelopretocurto,
Semprecompérolas e Gordinhaebochechuda — vinham atrás num grupinho,
caminhando mais devagar, conversando e dando risadinhas. Suas vozes chegavam
até Kya feito sinos de vento. Ela era nova demais para se importar muito com os
meninos; seu olhar se fixou no bando de meninas. Juntas, elas se agacharam para
observar um siri correr de lado pela areia. Rindo, apoiaram-se nos ombros uma da
outra até caírem emboladas na areia.
Kya mordeu o lábio inferior enquanto observava. Imaginando como seria estar
entre elas. A alegria delas criava uma aura quase visível em contraste com o céu
cada vez mais escuro. Ma lhe dissera que as mulheres precisam umas das outras
mais do que precisam dos homens, mas nunca tinha lhe dito como fazer parte do
grupinho. Sem dificuldade, ela entrou ainda mais na mata e ficou olhando por trás
das samambaias gigantes até as crianças tornarem a se afastar pela praia na direção
de onde tinham vindo, até se transformarem em pontinhos na areia.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1