Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

baixinho:
— Murph, seu nome era Napier.
No alto, a mais velha, Srta. Mary Helen Clark, 19 de setembro de 1934. Ela
tornou a esfregar os nomes com os dedos, o que fez rostos surgirem diante de seus
olhos. Os rostos ficaram borrados, mas ela viu todos eles espremidos ao redor da
mesa comendo ensopado, passando bolinhos de milho, até rindo um pouco.
Sentiu vergonha por ter esquecido os nomes deles, mas agora que os havia
encontrado nunca mais os deixaria escapar.
Acima da lista dos filhos ela leu: O Sr. Jackson Henry Clark casou-se com a Srta.
Julienne Maria Jacques em 12 de junho de 1933. Só nesse instante ela ficou sabendo o
verdadeiro nome dos pais.
Passou alguns minutos sentada ali, com a Bíblia aberta em cima da mesa. Com
a família na sua frente.
O tempo garante que os filhos nunca conheçam os pais quando jovens. Kya
jamais veria o belo Jake entrar com passo firme num bar de Asheville que servia
refrigerantes no início dos anos 1930 e se deparar com Maria Jacques, uma
formosura de cachos negros e lábios vermelhos vindos de Nova Orleans.
Enquanto os dois tomavam milk-shake, ele contou que a sua família tinha uma
fazenda, e que depois do segundo grau iria estudar para ser advogado e morar
numa mansão com fachada de colunas.
Mas quando a Depressão piorou o banco leiloou as terras e as arrancou dos
Clark, e o pai de Jake o tirou da escola. Eles se mudaram para uma cabana de
pinheiros mais adiante na mesma rua, que nem tanto tempo antes assim fora
ocupada por escravos. Jake trabalhava nas plantações de tabaco, empilhando folhas
ao lado de homens e mulheres negros com bebês amarrados às costas por xales
coloridos.
Certa noite, dois anos depois, sem se despedir, Jake foi embora antes do raiar
do dia levando consigo tantas roupas de qualidade e tesouros de família quanto
pôde carregar, incluindo o relógio de bolso de ouro do avô e o anel de brilhante
da avó. Pegou carona até Nova Orleans e encontrou Maria morando com a
família numa casa elegante perto do rio. A família era descendente de um
comerciante francês e tinha uma fábrica de sapatos.
Jake empenhou os objetos de valor e a levou para comer em restaurantes
elegantes decorados com cortinas de veludo vermelho, dizendo-lhe que iria
comprar a tal mansão com fachada de colunas. Quando ele se ajoelhou sob um pé
de magnólia, ela aceitou ser sua esposa, e os dois se casaram em 1933 numa
cerimônia religiosa pequena durante a qual a família dela nada disse.
A essa altura, o dinheiro tinha acabado, e ele aceitou um emprego oferecido
pelo sogro na fábrica de sapatos. Imaginou que fosse ser gerente, mas o Sr.
Jacques, um homem que não se deixava enredar facilmente, insistiu para o genro
aprender o ofício desde o princípio, como qualquer outro funcionário. Jake então
foi trabalhar cortando solados.
Ele e Maria moravam num apartamento pequeno em cima da garagem,
mobiliado com algumas peças luxuosas do dote dela misturadas com mesas e
cadeiras compradas em mercados de pulgas. Ele se matriculou em aulas noturnas

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