Escola da Noite

(Carla ScalaEjcveS) #1

O americano estava a escovar o cabelo, ao espelho da casa de banho, no hotel
em Amesterdão. Tinha-se levantado cedo. Por nenhuma razão. Tinha dormido.
Estava calmo. Mas estava na altura de regressar. Iria tomar duche, tratar das
malas e fazer-se à estrada antes do começo do tráfego matinal. Depois disso, não
haveria problemas.
Mas, primeiro, queria café, por isso vestiu a roupa da véspera e escovou o
cabelo. Estava espetado no cimo da cabeça, por causa da almofada. Usou água
para o alisar. Viu-se ao espelho. Aceitável. Era só uma viagenzinha para baixo e
para cima no elevador. No átrio, pegou numa embalagem para levar e tirou café
de um samovar prateado em cima de uma mesa à entrada da sala do pequeno-
almoço. Numa mesa igual, do outro lado da porta, estavam jornais. Holandeses,
obviamente, e também britânicos, franceses, belgas, alemães e o Herald Tribune
americano. Todos meticulosamente dispostos, todos perfeitamente ordenados.
Não havia nada no jornal berlinense. Nenhum cabeçalho, nenhum artigo. E
também não havia nada na capa do jornal de Hamburgo. Nem na segunda
página. Nem na terceira.
Havia um cabeçalho na quarta página.
Bem lá no fundo e não muito grande. Com um artigo mínimo. Quase tudo
oriundo de agências noticiosas. A polícia afirmava que o caso estava a receber a
máxima atenção e que se estavam a fazer progressos.
Concretamente, iam ver que impressões digitais encontrariam dentro do carro
da vítima.
O americano voltou a pousar o jornal na pilha. Fechou os olhos. Ela tinha
concordado logo ali no parque de estacionamento. Tinha dado meia-volta, de
forma entusiástica e teatral, e tinha-o chamado para o carro, com urgência e um
sorriso cúmplice, como se não pudesse esperar. A seguir, tinha-o levado para
casa dela. Num bonito coupé de três portas, pequenino, mas robusto como uma
caixa-forte.
Embrenhou-se de novo na própria mente. O puxador exterior. Acabamento
preto, ligeiramente rugoso. Desportivo. Talvez não fosse um problema. O
puxador interior era de cabedal. Parte da moldagem. Um buraco para os dedos.

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