® Piauí ed. 185 [Riva] (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1

Sobre Descripción de un Naufragio, o livro inédito que compunha sua bagagem, Peri
Rossi escreve que os poemas são uma “alegoria em versos de uma derrota, de uma
ruptura, de uma separação, ou seja, de um exílio, e alegoria, também, de uma
sobrevivência”. Um dos poemas, sem título, é diagramado na forma de um barco; a
última parte, que seria o casco, diz: p/o/r/q/ue/indolores, afligidos por cruéis tragédias
cotidianas/– a sombra daquele faminto que se enforcou na árvore/os gritos dos prisioneiros nas
celas sem luz/os lamentos das mães, órfãs de filhos –/a sotavento dos sonhos mais caros
impossíveis/lançamos a nau das navegações infinitas/navegamos pelo úmido mar dos
sargaços/em rota sem derrota, perecedora,/até o fundo do mar, onde/jaz a sombra dos justos.


No final de 1972, Peri Rossi foi considerada “inominável” pelo governo uruguaio.
Qualquer menção ao nome da autora na mídia foi proibida, assim como seus livros.
Também perdeu, e nunca conseguiu reaver, sua cátedra de literatura comparada no
Instituto de Professores Artigas, um centro de ensino terciário de excelência em
Montevidéu – o lugar onde se formara em 1964 e conhecera Achugar, que, depois de
ajudá-la, conseguiu fugir para a Venezuela e hoje é professor emérito da Universidade
de Miami, nos Estados Unidos. Naquela época, além de ser professora, Peri Rossi já era
uma personalidade conhecida nos grupos da esquerda independente na capital
uruguaia e colaboradora do jornal comunista El Popular, além de abertamente
homossexual.


A chegada de Peri Rossi à Espanha, porém, esteve longe de ser tranquila ou triunfal, e
o plano de retornar a seu país natal depois de alguns meses durou pouco tempo.
“Quando veio o golpe, me dei conta de que não podia voltar, de que o regresso era
uma loucura”, disse certa vez a Parizad Tamara Dejbord, uma estudiosa de sua obra.
“Eu me lembrava perfeitamente de que em Montevidéu, que estava cheia de exilados
espanhóis, meu vizinho esperava que Franco caísse. Muitos espanhóis viveram
quarenta anos no Uruguai e morreram esperando.” Quando Peri Rossi desembarcou na
Espanha, o ditador Francisco Franco de fato ainda estava no poder, e quando o
governo uruguaio retirou sua cidadania, em 1974, ela teve que fugir para Paris para
não ser presa, no que chama de seu “segundo exílio”. Voltou alguns meses depois para
Barcelona, casando-se com um amigo militante gay para naturalizar-se espanhola. Só
recuperaria a documentação uruguaia – e a possibilidade de retorno – após o fim da
ditadura, em 1985. Mesmo assim, nunca voltou a morar na cidade onde nasceu.
“Quando caiu a ditadura, me dei conta de que havia vivido catorze anos com nostalgia
de Montevidéu – uma nostalgia horrorosa – e agora não tinha vontade de ter nostalgia
de Barcelona. Para ter nostalgia, sigo tendo sempre a mesma”, disse certa vez. “Além
disso, não se exila porque se quer, se exila porque se tem que salvar a pele, e acho que,
dentro dessa insensata geometria que é a vida, um ato involuntário não tem que ser

Free download pdf