® Piauí ed. 185 [Riva] (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1

Os proprietários se recusavam a alugar os imóveis ao saber o motivo da locação: criar a
sede física da ONG Casa Neon Cunha, para abrigar e capacitar pessoas LGBTQIA+ em
situação de rua. “Escutei desde que a casa de acolhida desvalorizaria o lugar até que os
vizinhos iriam reclamar do entra e sai dessa gente”, conta Araújo, presidente da ONG.
Ao todo, ele ouviu 25 “nãos”.


Para tirar a dúvida sobre as recusas em série, o Diário do Grande ABC resolveu fazer
uma reportagem em que o jornalista se fazia passar por uma pessoa interessada no
aluguel das mesmas casas. Quando era perguntado sobre o objetivo da locação, a
reportagem dizia que era para uma república de estudantes. Todas as negociações
deram certo, mas não foram fechadas, claro, porque se tratava de uma apuração
jornalística.


Araújo, por sua vez, só conseguiu alugar um imóvel em dezembro passado, depois que
o site de locação Quinto Andar entrou de intermediário no negócio e bancou a reforma
do telhado e das instalações elétrica e hidráulica da casa. “A violência do preconceito
mostra a cara na rua, mas também nas transações comerciais”, diz ele.


ACasa Neon Cunha nasceu em 2018, quando o discurso de ódio contra a


população LGBTQIA+ se expandia no Brasil, inclusive da parte de políticos e religiosos.
O nome é uma homenagem a Neon Cunha, de 52 anos, que entrou para a história dos
direitos da população trans depois de viver, nas suas próprias palavras, “mais um
processo de apagamento de sua identidade”.


Ela nasceu em Belo Horizonte, mas mora em São Bernardo do Campo desde os 2 anos
de idade. Seu pai foi operário na Volkswagen e a mãe, diarista. “Aos 4 anos, eu já
ajudava minha mãe a fazer as faxinas e tarefas domésticas”, conta Cunha, que se
reconhece como menina desde a infância.


Em 2014, quando tinha 45 anos, ela entrou na Justiça com um pedido de retificação de
gênero em sua documentação. Na época, o governo federal exigia um laudo médico
que comprovasse a transexualidade de quem pleiteava a alteração dos documentos. O
processo era exaustivo e deixava a pessoa refém de uma análise subjetiva de médicos e
juízes. Além disso, a mudança, na maioria das vezes, era autorizada àqueles que
tinham se submetido à cirurgia de redesignação sexual.

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