que, para que tantos crimes possam ter sido cometidos, os culpados certamente
morreram junto com as vítimas.
Só a companhia de seguros tem urgência em conhecer a verdade: sobretudo
por causa de uma apólice de “incêndio” assinada pelo dono da casa. O fato de
que na época até o jovem Inigo tenha morrido nas chamas apenas torna a
questão mais espinhosa: sua poderosa família, que no entanto deserdara e
despossuíra esse filho degenerado, é notoriamente pouco propensa a renunciar a
qualquer coisa que caiba a ele. As piores ilações (mais ou menos incluídas no
índice abominável) podem ser atribuídas a um jovem que, membro hereditário
da Câmara dos Pares, arrastava um título ilustre pelos degraus das praças que
servem de sofá para uma juventude nômade e contemplativa, e ensaboava os
longos cabelos sob o jato das fontes municipais. A casinha alugada à velha
senhora que mantinha a pensão era o único imóvel de que ainda era proprietário,
e ali era recebido como subinquilino de sua inquilina, em troca de um desconto
no valor já modesto do aluguel. Se o incendiário foi ele, Inigo, responsável e
vítima de um plano criminoso executado com a imprecisão e o descuido que,
pelo visto, eram próprios de seu comportamento, as provas do dolo eximiriam a
companhia do pagamento das indenizações.
Mas essa não é a única apólice que a companhia é obrigada a honrar depois
da catástrofe: a própria viúva Roessler renovava todo ano um seguro de vida em
favor da filha adotiva, manequim muito conhecida de qualquer um que folheie
as revistas de alta-costura. Ora, Ogiva também morreu, queimada junto com a
coleção de perucas que transformavam seu rosto, de um charme assustador —
como definir de outro modo uma jovem bela e delicada com a cabeça
totalmente calva? —, no de centenas de personagens diferentes e
deliciosamente assimétricos. Mas ocorre que Ogiva tinha um filho de três anos,
entregue a parentes da África do Sul que não tardarão a reclamar os frutos do
seguro, a não ser que se prove que foi ela que acabou por matar (Esfaquear?
Estrangular?) a viúva Roessler. Aliás, como a própria Ogiva se preocupara em
fazer um seguro de sua coleção de perucas, os tutores do menino também
podem pretender essa indenização, a não ser que ela tenha responsabilidade na
catástrofe.
Do quarto personagem desaparecido no incêndio, o gigantesco Belindo Kid,
usbeque lutador de vale-tudo, sabe-se que ele descobrira na viúva Roessler não
só uma senhoria sagaz (ele era o único inquilino pagante da pensão) mas
também uma precavida empresária. Na verdade, nos últimos meses a velha se
convencera a financiar a turnê da temporada do ex-campeão dos meios-
pesados, mas fazendo um seguro para se garantir contra o risco de doença,
incapacidade ou acidente que o impedissem de honrar seus contratos. Agora, um
consórcio de organizadores de lutas de vale-tudo exige o pagamento dos riscos
cobertos pela companhia de seguros; mas se a velha induziu ao suicídio Belindo,
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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