Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

agora nos circuitos do computador?
A carnificina da pensão Roessler não tem quatro personagens: tem cinco.
Traduzo em orifícios punctiformes os dados do corretor de seguros Skiller e os
acrescento aos outros. As ações abomináveis podem ser de sua autoria como de
cada um dos outros: ele pode ter Esfaqueado, Difamado, Drogado etc., ou,
melhor ainda, pode ter mandado Prostituir, Estrangular e tudo o mais. Os
bilhões de combinações aumentam, mas talvez comecem a tomar forma.
Exclusivamente como hipótese eu poderia construir um modelo em que todo o
mal seja obra de Skiller, e em que, antes de sua chegada, a pensão pairasse na
inocência mais lirial: a velha Roessler toca um lied no piano Bechstein que o
bom gigante transporta de um aposento a outro para que os inquilinos possam
ouvir melhor, Ogiva rega as petúnias, Inigo pinta petúnias na cabeça de Ogiva.
Toca a campainha: é Skiller. Está procurando um bed and breakfast? Não, quer
propor seguros vantajosos: vida, acidente, incêndios, patrimônios mobiliários e
imobiliários. As condições são boas; Skiller os convida a refletir; refletem;
pensam em coisas em que jamais tinham pensado; são tentados; a tentação
inicia o seu caminho de impulsos eletrônicos pelos canais cerebrais... Percebo
que estou influenciando a objetividade das operações com antipatias subjetivas.
No fundo, o que é que eu sei sobre esse Skiller? Talvez a sua alma seja pura,
talvez ele seja o único inocente desta história, ao passo que todas as
investigações definem Roessler como uma avara sórdida, Ogiva como uma
narcisista impiedosa, Inigo perdido na sua introversão sonhadora, Belindo
condenado à brutalidade muscular por falta de modelos alternativos... Foram
eles que chamaram Skiller, cada um com um sórdido plano contra os outros três
e a companhia de seguros. Skiller é como uma pomba num ninho de cobras.
A máquina para. Há um erro, e a memória central percebeu; apaga tudo.
Não há inocentes a salvar nesta história. Recomecemos.
Não, não era Skiller que tinha tocado a campainha. Lá fora chuvisca, tem
neblina, não se distingue a fisionomia do visitante. Ele entra no hall, tira o
chapéu molhado, desfaz-se do cachecol de lã. Sou eu. Apresento-me.
Waldemar, programador-analista de sistemas. Sabe que a estou achando muito
bem, senhora Roessler? Não, nunca tínhamos nos visto antes, mas tenho
presentes os dados do conversor analógico-digital e reconheço perfeitamente
vocês quatro. Não se esconda, senhor Inigo! Sempre em plena forma, nosso
Belindo Kid! É a senhorita Ogiva aquela cabeleira violeta que vejo aparecer na
escada? Eis todos vocês reunidos; muito bem: o objetivo de minha visita é o
seguinte. Preciso de vocês, de vocês exatamente como são, para um projeto que
há anos me mantém preso ao suporte de programação. Os trabalhos ocasionais
que faço para terceiros ocupam minhas horas de expediente, mas à noite,
fechado em meu laboratório, dedico-me a estudar um organograma que
transformará as paixões individuais — agressividade, interesses, egoísmos, vícios

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