Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

dela: bastava que virasse um pouco o busto para mim e escondesse o rosto atrás
da mão (eu lhe dizia coisas a meia-voz: ela ria) para que a ilusão de estar ao
lado de Dirce se reforçasse. A ilusão despertava recordações, as recordações,
desejos. Para de certo modo transmiti-los a Irma, agarrei sua mão. O contato e
o estremecimento dela me revelaram tal como era, diferente. Essa sensação
impôs-se à outra, mesmo sem apagá-la, e resultou, em si mesma, agradável.
Compreendi que a mim teria sido impossível tirar de Irma um duplo prazer: o
de perseguir, por meio dela, a Dirce perdida, e o de me deixar surpreender pela
novidade de uma presença desconhecida.
Todo desejo traça dentro de nós um desenho, uma linha que sobe e ondula e
às vezes se dissolve. A linha que evocava em mim a mulher ausente podia, um
instante antes de declinar, entrecortar-se com a linha da curiosidade pela
mulher presente, e transmitir seu impulso a esse desenho que ainda estava para
ser totalmente traçado. O projeto merecia ser posto em prática: desdobrei-me
em atenções com Irma, até convencê-la a juntar-se a mim no meu quarto, de
noite.
Entrou. Deixou cair o mantô. Usava uma blusa leve e branca, de musselina,
que o vento (era primavera e a janela estava aberta) agitou. Compreendi nesse
momento que um mecanismo diferente do previsto comandava minhas
sensações e meus pensamentos. Era Irma que enchia todo o campo de minha
atenção, Irma como pessoa única e irreproduzível, pele e voz e olhar, enquanto
as semelhanças com Dirce, que de vez em quando voltavam a surgir em minha
mente, eram apenas uma perturbação que eu me apressava em varrer.
Assim, meu encontro com Irma tornou-se uma batalha com a sombra de
Dirce, que não parava de se enfiar entre nós, e toda vez que eu achava estar
prestes a captar a indefinível essência de Irma, a estabelecer entre nós uma
intimidade que excluía qualquer outra presença ou pensamento, eis que Dirce, a
experiência já vivida que Dirce era para mim, imprimia seu modelo justamente
ao que eu estava vivendo então, e me impedia de senti-lo como algo novo.
Agora, Dirce, sua recordação e sua marca só me inspiravam incômodo,
constrangimento, tédio.
A aurora ia entrando pelas frestas da persiana como lâminas de luz cinza-
pérola, quando compreendi com absoluta certeza que minha noite com Irma
não era esta que agora estava quase terminando, mas outra parecida, uma noite
que ainda viria, na qual eu procuraria a recordação de Irma em outra mulher, e
sofreria antes por tê-la encontrado e tê-la perdido, e depois por não ter
conseguido livrar-me dela.


3
Encontrei Tullia vinte anos depois. O acaso, que então levou-nos a nos
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