Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

encontrarmos e separarmos no momento em que havíamos compreendido que
simpatizávamos um com o outro, permitiu-nos finalmente retomar o fio da
história no ponto de interrupção. “Você está a mesma-o mesmo”, dissemo-nos
mutuamente. Mentíamos? Não de todo: “Estou o mesmo-a mesma”, era o que
queríamos, fosse eu ou ela, comunicar a mim e a ela.
Dessa vez, a história teve a continuação que cada um de nós esperava. A
beleza madura de Tullia ocupou primeiro toda a minha atenção, e só num
segundo momento eu me propus não esquecer a Tullia da juventude, tentando
recuperar a continuidade entre as duas. Assim, num jogo surgido
espontaneamente, enquanto conversávamos fingíamos que o nosso afastamento
teria durado vinte e quatro horas e não vinte anos, e que as nossas recordações
seriam coisas de ontem. Era bonito mas não era verdade. Se eu pensava no meu
“eu” da época e no “ela” da época, eram dois estranhos que me apareciam;
provocavam a minha simpatia, todo o afeto que se queira, ternura, mas tudo o
que eu conseguia imaginar sobre eles não tinha nenhuma relação com o que
éramos agora, Tullia e eu.
É verdade que restava em nós uma saudade daquele nosso velho encontro,
curto demais. Era a saudade natural da juventude que passou? Mas, na minha
satisfação atual, me parecia não haver nada de que eu pudesse sentir saudade; e
Tullia também, assim como agora eu a estava conhecendo, era mulher
demasiado presa ao presente para abandonar-se a nostalgias. Saudade do que
não pudemos ser na época? Talvez um pouco, mas não totalmente: pois
(sempre no entusiasmo exclusivo pelo que o presente estava nos dando) eu
achava (talvez erradamente) que, se esse nosso desejo tivesse sido satisfeito de
imediato, poderia ter subtraído algo do nosso contentamento de hoje. No
máximo, seria uma saudade do que aqueles dois pobres jovens, aqueles dois
“outros”, haviam perdido, e que se somava ao total de perdas que a todo
instante o mundo sofre e não recupera. Do alto de nossa inesperada riqueza, nós
nos dignávamos a dar uma olhada de compaixão para os excluídos: um
sentimento interessado, já que para nós mais valia saborear nosso privilégio.
Posso tirar duas conclusões opostas de minha história com Tullia. Pode-se
dizer que o fato de termos nos reencontrado extingue a separação de vinte anos
antes, anulando a perda sofrida; e pode-se dizer, ao contrário, que ele torna essa
perda definitiva, desesperada. Esses dois (a Tullia e o eu mesmo da época)
haviam se perdido para sempre e nunca mais se encontrariam, e em vão iriam
pedir socorro à Tullia e ao eu de então, os quais (o egoísmo dos amantes felizes
é sem limites) tinham agora se esquecido completamente deles.


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De outras mulheres eu me lembro de um gesto, um modo de dizer, uma
inflexão, que formam um todo com a essência da pessoa e a distinguem como

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