Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

em licença, mas ele errava o trem e ia parar em Turim. Depois de 8 de
setembro** fora parar na Todt e continuara a perambular, seminu, com a
gamela presa na cintura. Depois o puseram atrás das grades. De repente iam
soltá-lo e lhe davam uma paulada na cabeça. Isso para ele era perfeitamente
lógico, como todos os outros episódios de sua vida.
O mundo era para ele um conjunto de cores verdes e amarelas, de ruídos e
gritos, de vontade de comer e de dormir. Um mundo bom, cheio de coisas boas,
mesmo se não se entendia nada, mesmo se ao tentar entender se sentia aquela
pontada de dor no meio do crânio, aquele voo de patos no cérebro, a porrada que
tascavam em sua cabeça.
Os homens do Louro eram encarregados das ações na cidade; viviam nos
primeiros bosques de pinheiros acima dos subúrbios, numa zona cheia de casas
de campo onde as famílias burguesas iam veranear nos bons tempos. Como
agora a área estava nas mãos deles, os partigiani saíram das grutas e das
cabanas e acamparam em algumas casas dos mandachuvas, enchendo de
piolhos os colchões e instalando as metralhadoras nas cômodas. Nas casas havia
garrafas, alguns mantimentos, gramofones. O Louro era um rapaz duro,
impiedoso com os inimigos, despótico com os companheiros, mas se esforçava,
quando podia, para que seus homens se sentissem bem. Fizeram um pouco de
farra, as moças foram até lá.
Natale estava feliz no meio deles. Agora já não tinha curativos nem
ataduras; do ferimento só lhe restavam uma grande mancha-roxa no meio do
cabelo crespo, um atordoamento que ele imaginava não estar nele, mas em
todas as coisas. Os companheiros faziam com ele brincadeiras de todo tipo, mas
ele não se zangava, berrava impropérios naquele seu dialeto incompreensível e
ficava satisfeito. Ou começava a brigar com alguém, até com o Louro: era
sempre agarrado, mas ficava feliz do mesmo jeito.
Uma noite, os companheiros resolveram lhe pregar uma peça: despachá-lo
junto com uma das moças e ver o que ia acontecer. Entre as garotas foi
escolhida a Margherita, uma gordinha toda de carne macia, branca e vermelha,
que se prestou à brincadeira. Começaram a preparar Natale, a deixá-lo com a
pulga atrás da orelha, a dizer que a Margherita andava apaixonada por ele. Mas
Natale estava desconfiado; não se sentia à vontade. Começaram a beber todos
juntos, e ela foi posta ao lado dele, para provocá-lo. Ao vê-la com aquele olhar
de mormaço, ao perceber que ela apertava sua perna debaixo da mesa, sentiu-
se cada vez mais perdido. Deixaram os dois a sós e começaram a espiar atrás
da porta. Ele ria, enternecido. Ela se arriscou a provocá-lo um pouco. Então
Natale percebeu que ela ria falso, batendo as pálpebras. Esqueceu a paulada, os
patos, a mancha-roxa: agarrou-a e jogou-a na cama. Agora entendia tudo
perfeitamente: entendia o que queria a mulher debaixo dele, branca e vermelha
e macia, entendia que não era uma brincadeira, entendia por que não era uma

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