—, é por isso que escrevo.
— Faça igual aos mendigos — me diz Ada Ida, apontando um, numa parada.
Turim está cheia de mendigos como uma cidade santa indiana. Até os
mendigos têm suas modas, ao pedirem esmola: um começa e depois todos o
copiam. De uns tempos para cá é costume de muitos mendigos escreverem na
calçada a própria história, em letras grandes, com pedaços de giz colorido: é um
bom sistema, pois as pessoas ficam curiosas para ler e depois se sentem
obrigadas a jogar umas liras.
— É — digo —, talvez eu também tivesse de escrever a minha história com
giz na calçada e me sentar ao lado para ouvir o que as pessoas dizem. Ao menos
nos olharíamos um pouco de frente. Mas talvez ninguém prestasse atenção e
tudo se apagasse de tanto pisarem em cima.
— O que você escreveria numa calçada se fosse um mendigo? — pergunta
Ada Ida.
— Escreveria, tudo em letra de fôrma: Eu sou um desses que escrevem porque
não conseguem falar; desculpem-me, cidadãos. Uma vez um jornal publicou uma coisa
que eu havia escrito. É um jornal que sai de manhã cedo; é comprado sobretudo pelos
operários indo para o trabalho. Naquela manhã subi com tempo no bonde e vi pessoas
lendo as coisas que eu tinha escrito, e eu olhava as caras delas tentando perceber em que
linha seus olhos tinham parado. Em cada texto há sempre um ponto do qual nos
arrependemos, ou por medo de sermos mal entendidos, ou por vergonha. E no bonde,
naquela manhã, eu ia espiando a cara dos homens, até que chegassem àquele ponto, e
então gostaria de ter dito: “Olhem, talvez eu não tenha me explicado bem, o que eu
pretendia é o seguinte”, mas continuava calado e enrubescia.
Nesse meio-tempo, tínhamos descido num ponto, e Ada Ida esperava outro
bonde chegar. Não sei mais que bonde devo pegar e espero junto com ela.
— Eu escreveria assim — diz Ada Ida —, com pedacinhos de giz azul e
amarelo: Senhores, há pessoas para quem o maior gozo é que alguém urine em cima
delas. Dizem que D’Annunzio era um desses. Eu acredito. Os senhores deveriam pensar
nisso todo dia, e pensar que somos todos da mesma raça, e darem-se menos ares
importantes. E tem mais: minha tia teve um filho com corpo de gato. Os senhores
deveriam pensar que essas coisas acontecem, nunca se esqueçam. E que em Turim há
homens que dormem nas calçadas, em cima dos respiradouros de porões aquecidos. Eu vi.
Em todas essas coisas os senhores deveriam pensar, toda noite, em vez de rezarem
orações. E tê-las bem presentes durante o dia. Terão menos esquemas na cabeça e serão
menos hipócritas. Assim eu escreveria. Acompanhe-me também neste bonde, seja
bonzinho.
Eu continuava a pegar bondes com Ada Ida, sei lá por quê. O bonde andava
por uma rua comprida dos bairros pobres. As pessoas no bonde eram cinzentas e
enrugadas, como se fossem todas de farinha do mesmo saco.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1