O maravilhoso de Ada Ida é que ela aceita tudo o que a gente diz, não se
espanta com coisa alguma, qualquer discurso que você inicia ela o prossegue,
como se fosse ela que o tivesse sugerido a você. E quer que eu a acompanhe até
o bonde.
— Bem, acompanho — digo. — Então, o dono da Fiat mandou construir seu
banheiro como um salão de colunas e tapeçarias e tapetes, e aquários nas
paredes. E grandes espelhos ao redor que refletiam mil vezes a imagem dele. E
o vaso tinha braços e espaldar, alto como um trono; tinha até baldaquino. E a
corrente para puxar a descarga tocava um carrilhão muito suave. Mas o dono
da Fiat não conseguia fazer cocô. Sentia-se constrangido no meio daqueles
tapetes e aquários. Os espelhos refletiam mil vezes a sua imagem enquanto
estava sentado no vaso alto como um trono. E o dono da Fiat tinha saudades da
latrina de sua casa de infância, com serragem no chão e pedaços de jornal
enfiados num prego. Foi assim que ele morreu: de infecção intestinal depois de
meses sem fazer cocô.
— Foi assim que ele morreu — Ada Ida assentiu. — Foi exatamente assim
que ele morreu. Você sabe outras histórias iguais a essa? Chegou o meu bonde.
Suba comigo no bonde e me conte outra.
— No bonde, e depois onde mais?
— No bonde. Você se chateia?
Subimos no bonde.
— Não posso lhe contar histórias — digo —, por causa do meu interstício. É
um precipício vazio entre mim e todos os outros. Mexo os braços ali dentro mas
não agarro nada, dou gritos mas ali ninguém escuta: é o vazio absoluto.
— Nesses casos eu canto — diz Ada Ida —, canto mentalmente. Quando a
certa altura, falando com alguém, percebo que não sei mais como continuar, tal
como se eu tivesse chegado à beira de um rio, e que os pensamentos fogem para
se esconder, começo a cantar mentalmente as últimas palavras ditas ou
ouvidas, com uma melodia qualquer. E as outras palavras que me vêm ao
espírito, sempre a partir dessa melodia, são as palavras dos meus pensamentos.
E aí eu falo as palavras.
— Mostre um pouco.
— E aí eu falo as palavras. Como uma vez em que um cara me abordou na
rua achando que eu era uma daquelas.
— Mas você não canta.
— Canto mentalmente, depois traduzo. Do contrário você não entenderia.
Mesmo naquela vez com aquele homem. Acabei contando a ele que fazia três
anos que eu não comia balas. Aí ele me comprou um saquinho. Aí eu realmente
não sabia mais o que dizer. Balbuciei alguma coisa e dei no pé, com o saquinho.
— Eu, ao contrário, jamais conseguirei dizer alguma coisa, ao falar — digo
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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