Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

pergunta: qual dos dois ficaria com o colar, até entregá-lo ou tomarem uma
decisão? Continuaram parados e quietos, olhando o colar como se dele pudesse
vir a resposta. De fato, veio: durante a briga ou quando o colar caiu, o ganchinho
que prendia as quatro fileiras de pérolas ficara meio avariado. Bastou torcê-lo
um pouco para que se quebrasse de vez.
Pietro pegou duas voltas e Tommaso outras duas, com a intenção de
combinarem previamente qualquer decisão a respeito. Juntaram as preciosas
bugigangas, escondendo-as nas roupas, sentaram de novo nas bicicletas, calados,
sem se olharem, e recomeçaram o chiante pedalar até a fábrica, sob o céu que
ia se enchendo de nuvens brancas e fumaça preta.
Mal tinham se afastado um pouco quando, atrás de um painel publicitário
num dos lados da estrada, apareceu um homem. Era seco, alto e malvestido;
havia uns minutos que, de longe, escrutava os dois operários. Era o
desempregado Fiorenzo, que passava os dias procurando objetos utilizáveis no
lixo da periferia. Nessa categoria de homens sempre se esconde, tenaz e
corrosiva como uma doença profissional, a esperança de encontrar um tesouro.
Tendo ido àqueles campos durante a sua volta matutina de praxe, Fiorenzo
avistara o carro indo embora, os operários correndo pela ladeira e apanhando o
objeto. E de repente se deu conta de que aquela ocasião tão rara, dessas que só
se apresentam uma vez na vida de um homem, ele a perdera por menos de um
minuto.
Tommaso também fazia parte da comissão interna que deveria ser recebida
pelo doutor Starna. Surdo, teimoso, mentalidade antiga, espírito de contradição,
tudo o que se queira: mas nas votações internas da fábrica Tommaso sempre
conseguia ser eleito. Era um dos operários mais antigos da empresa, conhecido
de todos, uma bandeira; e mesmo se os seus companheiros da comissão já
andavam pensando que no seu lugar seria melhor ter, nas discussões, alguém
mais hábil, mais equilibrado e esperto, também reconheciam que Tommaso
tinha a seu favor o prestígio da tradição e, como tal, repetiam no seu ouvido
sem assobio as frases mais importantes das negociações.
Na véspera, uma irmã de Tommaso, que morava no campo e ia encontrá-lo
de vez em quando, trouxera-lhe um coelho de presente de aniversário, que na
verdade tinha sido um mês antes. Um coelho morto, naturalmente, para se pôr
logo na panela. Seria ótimo esperar até domingo para cozinhá-lo e servi-lo na
hora do almoço, com toda a família reunida em volta da mesa, mas talvez o
coelho não se conservasse, pois as filhas de Tommaso logo o prepararam num
ensopado, e a sua parte ele levou para a fábrica, dentro de um filão.
Qualquer que fosse a comida do almoço — tripa, bacalhau, omelete —, as
filhas de Tommaso (ele era viúvo) cortavam um filão no meio e a socavam ali
dentro; ele enfiava o pão em sua pasta, pendurava a pasta no quadro da bicicleta
e partia, de manhã cedinho, para o seu dia de trabalho. Mas naquele dia, o pão

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