Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

recheado de coelho, que teria sido o consolo de um dia de preocupações, ele não
conseguiu nem sequer levá-lo à boca. Pois tivera a má ideia, ao trocar de roupa,
e não sabendo onde esconder aquele bendito colar, de amassá-lo dentro do pão,
no meio da carne do coelho ensopado.
Às onze horas tinham ido avisar a ele, e também a Fantino, Criscuolo,
Zappo, Ortica e todos os outros, que o doutor Starna aceitava conversar e os
esperava. Lavam-se, trocam-se na maior pressa, e rápido para o elevador. No
quinto andar, dá-lhe de esperar: chegou a hora da pausa para o almoço, e o
doutor Starna ainda não os havia recebido. Finalmente, a secretária, uma loura
de belo corpo e feia cara de campeã ciclista, veio dizer que o doutor agora não
pode, voltem para as suas oficinas, junto com os outros, e que assim que ele se
liberar ela manda chamá-los.
No refeitório, todos os companheiros os esperavam prendendo a respiração:
— E aí? E aí? — Mas era proibido falar de assuntos sindicais à mesa. — Nada,
de tarde voltaremos lá. — E já é hora de retomar o trabalho: os da comissão
mal se sentaram às mesas de zinco para comerem alguma coisa, na pressa, pois
no turno da tarde os minutos de atraso lhes seriam descontados. — Mas para
amanhã, o que é que fica decidido? — perguntavam os outros, saindo do
refeitório. — Assim que tivermos a conversa, relataremos a vocês e
decidiremos o que fazer.
Tommaso tirou da pasta um pedaço de couve-flor cozida, um garfo, uma
garrafinha de azeite, do qual derramou um pouco num prato de alumínio, e
comeu a couve-flor, enquanto acariciava, no bolso do paletó, o pão barrigudo
cheio de carne de coelho e de pérolas, que a presença dos companheiros o
impedia de pegar. E num acesso de gulodice para comer o coelho, maldizia
aquelas pérolas que o acorrentavam a uma dieta de couve-flor durante o dia
inteiro e que o afastavam da total confiança que o ligava aos companheiros,
impondo-lhe um segredo que, naquele instante, não passava de uma amolação.
De repente, viu na sua frente, em pé, do outro lado da mesa, Pietro, que
antes de voltar para o seu setor queria cumprimentá-lo. Estava diante dele, alto,
gordo, com um palito rolando na boca, e um olho fechado numa ostentatória
piscada. Ao ver Pietro ali, de barriga cheia e despreocupado — pelo menos
assim lhe parecia —, enquanto ele mandava para dentro garfadas quase
impalpáveis de couve-flor cozida, Tommaso sentiu tamanha raiva que o prato
de alumínio começou a tremer em cima da mesa de zinco como se ali
estivessem os espíritos. Pietro encolheu os ombros e foi embora. Até os últimos
operários já tinham saído do refeitório, apressados, e Tommaso, com os lábios
gordurosos grudados numa garrafinha de água mineral gasosa cheia de vinho,
também foi embora correndo.
A atitude dos operários em relação ao cão dinamarquês que entrara na sala
de espera da diretoria — todos se viraram de súbito para a porta, pensando que

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