Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

bem... Você não se lembra?...
Enrico, que chegara tarde ao escritório, caindo de sono (dormira duas horas),
nervoso, entediado, e, apesar do jovem desenhista que, fingindo lucidar um
projeto, estava ali todo ouvidos, com a fumaça do cigarro que lhe irritava os
olhos, disse: — Bem, você vai pedir outro de presente...
Ela lhe respondeu com um grito no telefone que fez até o desenhista se
assustar: — Mas você está looouco! Mas é aquele que o meu marido me proibiu
de usar, enteeende! Mas é aquele que custa... não, não posso dizer por
telefooone! Paaare! Só de saber que eu o exibi por aí ele me expulsa de casa!
Mas se além do mais souber que o perdi... me mata!
— Deve estar no carro, sabe — disse Enrico, e como por encanto ela se
acalmou.
— Você acha?
— Acho.
— Mas você se lembra se eu estava com ele?... Mas você se lembra que
descemos, num certo lugar... onde era?
— E você quer que eu me lembre... — dizia Enrico, passando a mão no rosto
e, com um tédio profundo, repensando naquele lugar onde ela saíra correndo
entre as moitas, e onde tinham brigado um pouco, e refletia que o colar podia
muitíssimo bem ter caído ali, e já sentia a amolação de ter de ir buscá-lo, e
explorar palmo a palmo aquela zona baldia. Sentiu uma ponta de enjoo. — Fique
tranquila: é tão grande, a gente vai achar... Olhe no carro... O homem da
garagem é de confiança? (O carro era o dela. A garagem também.)
— É. É Leone, está conosco há muitos anos.
— Então telefone-lhe já, para que ele olhe.
— E se não estiver?
— Ligue para mim de novo. Irei procurá-lo por lá...
— Querido, amor...
— Sim.
Desligou. O colar. Fez um gesto com os lábios. Vá saber quantos muitos
milhões valia. E o marido de Umberta tinha promissórias sendo protestadas!
Uma bela história. Daí podia nascer uma belíssima história. Desenhou no papel
um colar de quatro voltas e o retocou minuciosamente, pérola por pérola. Tinha
de ficar de olhos bem abertos. No desenho transformou as pérolas em olhos,
cada um com sua íris, sua pupila, seus cílios. Não havia tempo a perder. Devia ir
procurá-lo por aqueles campos. Umberta podia lhe telefonar a qualquer
momento. Imaginemos que estivesse no carro.
— Você continuará em casa esse trabalho — disse ao desenhista —, preciso
sair de novo.
— Vai ver o empreiteiro? Lembre-se daquela documentação...

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