proletariado tomasse o poder e lhe confiasse a construção da Cidade. Mas o
proletariado custava a vencer, e além do mais parecia não compartilhar a
paixão exclusiva de Enrico pelos muros nus e os telhados planos. Começou para
o jovem arquiteto a época amarga e arriscada em que todos os entusiasmos
baixam a guarda. Para expressar seu rigor estilístico, descobriu outro caminho:
aplicá-lo em projetos de vilas à beira-mar, que ele propunha, honra imerecida,
aos milionários filisteus. Essa também era uma batalha: um cerco ao inimigo,
por caminhos internos. Para reforçar suas posições precisava tentar se tornar o
arquiteto da moda; Enrico teve de começar a pensar seriamente no problema
de seu “nível de vida”: como era possível que ainda andasse de scooter? Agora não
pensava em mais nada senão em açambarcar trabalhos rentáveis, quaisquer que
fossem. As plantas para a Cidade Futura amarelavam, enroladas nos cantos de
seu escritório, e de vez em quando uma delas lhe caía na mão, quando
procurava um pedaço qualquer de papel de desenho para rabiscar, no verso, o
primeiro esboço de um projeto de sobrelevação de um edifício.
Passando de scooter naquele dia pelos bairros da periferia, Enrico não pensava
em um novo fôlego para as suas antigas reflexões sobre a desolação dos prédios
operários, mas farejava no vento, como um cervo em busca de mato verde, o
cheiro das áreas onde se poderia construir.
Era justamente uma área dessas que ele queria ir ver, naquela manhã bem
cedinho, com o carro de Umberta. Saíam de uma festa, ela estava bêbada e não
queria voltar para casa. Leve-me para cá, leve-me para lá. Já havia um bom
tempo que ele repisava essa ideia: se era para circular, por que não ir dar uma
espiada num lugar que ele conhecia, numa hora em que não havia ninguém, para
estudar bem as possibilidades? Era uma área de propriedade do marido de
Umberta, os terrenos em torno de sua fábrica. Enrico esperava, graças ao apoio
dela, conseguir a autorização para um grande empreendimento imobiliário. Foi
quando estava indo para lá que Umberta quase pulou do carro correndo.
Estavam brigando; ela fingia estar mais bêbada do que estava. — E agora para
onde você vai me levar? — choramingava. E Enrico: — Para o seu marido.
Estou cheio de você. Vou levá-la para perto dele, na fábrica. Não está vendo
que estamos indo justamente para lá? — Ela cantarola sabe-se lá o quê, depois
abre a porta do carro. Ele freia de repente e ela pula para fora. Assim perdeu o
colar. Agora, encontrá-lo: era fácil dizer.
A seus pés estendia-se um declive inculto e coberto de arbustos. Sabia estar
no local exato daquela manhã só porque a estrada poeirenta e pouco
movimentada conservara as marcas da freada do carro: aliás, toda a paisagem
ao redor era disforme, e nunca a expressão cadastral “terreno baldio” tivera na
mente de Enrico um significado tão preciso e sutilmente angustiante. Deu uns
passos ao redor, cravando os olhos no terreno coberto de crostas, entre os
gravetos dos arbustos: em contato com esse solo miserável e vil, surdo às
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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