Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

saudável eram as costumeiras tatuagens no peito e nos braços, que exaltavam
nossa frota dominadora dos mares. E, quanto aos discursos, acabava-se
fechando os olhos para aqueles cuja única esperança era uma ajuda do céu,
como uma tempestade que talvez tivesse mandado nós todos a pique, amigos e
inimigos, mais do que para aqueles que queriam encontrar uma maneira de
fazer o navio se mover naquelas condições... Ocorre que um gaveiro, um tal de
Slim John, não sei se o sol na cabeça tinha lhe feito mal ou se foi outra coisa, o
fato é que ele começou a se divertir com uma cafeteira. Se o vapor levanta a
tampa da cafeteira — dizia esse Slim John —, então também o nosso navio, se
fosse como uma cafeteira, poderia andar sem velas... Era um discurso meio sem
nexo, é bom que se diga, mas, estudando-o um pouco mais, talvez se pudesse
tirar algum proveito. Pois sim! Jogaram a cafeteira no mar e faltou pouco para
que o jogassem também. Essas histórias de cafeteiras, começaram a dizer,
eram nada mais nada menos do que ideias dos papistas... é na Espanha que se
tem o hábito do café e das cafeteiras, não entre nós... Bah, eu não entendia
nada, mas contanto que a gente se mexesse, com aquele escorbuto que
continuava a ceifar as pessoas...
— E aí, tio Donald — nós exclamamos, com os olhos brilhando de
impaciência, pegando-o pelos pulsos e sacudindo-o —, sabemos que vocês se
salvaram, que acabaram sendo os vencedores contra o galeão espanhol, mas
explique-nos como aconteceu, tio Donald!
— Ah, sim, lá no galeão também, eles não eram todos da mesma opinião,
nem sonhando! Observando-os de luneta, via-se que ali também havia os que
queriam se mexer, uns contra nós, a canhonadas, e outros que compreendiam
que não havia outro jeito senão ficarem do nosso lado, pois a supremacia da
frota de Elizabeth faria reflorir os tráfegos que havia tempos languesciam...
Mas ali também os oficiais do almirantado espanhol não queriam que nada
mudasse, por favor! Sobre esse ponto, os chefes do nosso navio e os do navio
inimigo, mesmo se odiando mortalmente, estavam perfeitamente de acordo.
Portanto, como a bonança não dava sinal de terminar, começaram a se enviar
mensagens, com as bandeirolas, de um navio para outro, como se quisessem
iniciar um diálogo. Mas não se ia mais longe do que um: Bom dia! Boa noite!
Pois é, o tempo está bom!, e assim por diante...
— Tio Donald! Tio Donald! Não pegue no sono de novo, por favor! Diga-nos
como o navio de Drake conseguiu se mexer!
— Ei, ei, não sou surdo, ora essa! Entendam, foi uma bonança que ninguém
esperava que durasse tanto, talvez até anos, ali ao largo das Antilhas, e com um
calor sufocante, e um céu pesado, baixo, que parecia prestes a explodir numa
tempestade. Suávamos em bica, todos nus, trepados nas enxárcias, buscando um
pouco de sombra debaixo das velas enroladas. Tudo estava tão imóvel que,
mesmo os que entre nós andavam mais impacientes querendo mudanças e

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