Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

qualquer um que tivesse portado as armas deles ou apenas servido em suas
casas, e nós, Mac Ferguson, ou Mac Stewart, ou Mac Burtun, boas famílias
presbiterianas, deixávamos que isso acontecesse. É verdade que os Mac
Connolly tinham sua parte de responsabilidade nesse estado de coisas. Por acaso
não foram eles, quando seu clã era bem mais forte que agora, os que
reconheceram ao clero episcopal os velhos privilégios dos dízimos sobre os
nossos territórios? Por que o fizeram? Porque — disseram eles —, segundo sua
religião, as coisas importantes não eram aquelas (formalidades ou algo assim),
mas outras, mais substanciais; ou porque — dizemos nós — acreditavam saber
mais que o diabo, esses metodistas danados, e poder tapear todo mundo. O fato
é que ao fim de poucos anos muito se arrependeram. Nós, de nosso lado, não
podemos levantar a voz, é verdade. Na época, éramos os aliados dos Mac
Dickinson, tratávamos de reforçar o poderio do clã deles, pois eram os únicos
capazes de enfrentar os Mac Connolly e suas famigeradas ideias sobre os
tributos das colheitas de aveia. E, quando víamos, no meio de uma praça de
aldeia, um homem dos Mac Connolly condenado pelos episcopais ao
enforcamento por ser criatura do diabo, não dávamos meia-volta com nossos
cavalos porque eram assuntos que não nos diziam respeito.
Agora, que os homens dos Mac Dickinson agem como se fossem os donos da
casa, em cada aldeia e em cada hospedaria, com sua prepotência e seus abusos,
e que já ninguém pode andar pelas estradas principais da Escócia se não tiver no
kilt as listras com suas cores, eis que a Igreja episcopal começa a lançar
anátemas contra nós, famílias de estrita fé presbiteriana, e a açular contra nós
os nossos camponeses e até as nossas cozinheiras. Sabe-se o que estão
pretendendo: aliarem-se talvez com os clãs dos Macduff ou dos Mac Cockburn,
velhos partidários do rei James Stuart, papistas ou quase, tirando-os de seus
castelos na montanha, onde estes tinham se refugiado no meio das cabras,
vivendo agora como bandidos.
Haverá uma guerra de religião? Mas não há ninguém, nem mesmo os
episcopais mais carolas, que acredite que lutar por esses bichos-papões dos Mac
Dickinson, capazes de beber barris de cerveja mesmo no domingo, equivaleria a
lutar pela fé. Como eles veem as coisas, então? Talvez pensem que isso faça
parte dos desígnios de Deus, tal como o cativeiro no Egito. Mas aos
descendentes de Isaac não se pediu que lutassem pelos faraós, mesmo se Deus
queria que sofressem longamente sob o mando deles! Se houver guerra de
religião, nós, os Mac Ferguson, a aceitaremos como uma prova para reforçar a
nossa fé. Mas sabemos que neste litoral os fiéis da justa Igreja da Escócia são
uma minoria de eleitos, que poderiam ser escolhidos por Deus — que Ele não
queira! — para o martírio. Retomei a Bíblia nas mãos, que nestes meses de
frequentes incursões inimigas eu havia deixado um pouco de lado, e vou
folheando-a à luz da vela, sem perder de vista, lá longe, o brejo por onde agora

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