National Geographic - Portugal - Edição 221 (2019-08)

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lá em baixo. Durante três meses passados em
Mulu, com a ajuda de guias das tribos vizinhas
de Penan e Berawan, os espeleólogos encontra-
ram numerosas entradas que conduziam a lo-
cais mais profundos do antigo maciço calcário
da região.
Algumas grutas começavam como fendas
insignificantes nas vertentes rochosas, cober-
tas de arbustos e ramos. Geralmente situadas a
maior altitude, estas grutas eram mais antigas
e relativamente secas, perfurando o centro das
montanhas de Mulu.
Outras grutas, situadas a altitudes mais baixas,
pareciam sumidouros gigantes de tempestade –
buracos enormes no leito rochoso que conduziam
a água da chuva para os rios subterrâneos. Estas
grutas com rios eram mais jovens, formadas há
centenas de milhares de anos, revestidas com
magníficas formações calcárias e serviam de lar a
peixes, aves, serpentes, caranguejos pálidos como
fantasmas e a uma galáxia de aranhas e insectos.
Durante o tempo que passaram no subsolo em
1979, Andy Eavis e os seus colegas espeleólogos
exploraram cerca de 50 quilómetros de passa-
gens. Foi um feito sem precedentes. Quase qua-
renta anos mais tarde, vestindo calças pretas nes-
ta manhã quente, Andy sorriu ao lembrar-se dis-
so. “Nenhuma expedição explorou tanto numa
só vez”, comentou. “Cumprimos a maior parte da
aventura em pé, sabe?”
Andy fez uma pausa, olhando para o equipa-
mento e curvou-se ao nível da cintura. Tirou uma
sanguessuga do atacador da bota e atirou-a para
a selva. “Até àquele momento, éramos meros es-
peleólogos ingleses”, disse. “Mulu transformou-
-nos.”

A AVENTURA DE 1979 abriu caminho à exploração
no Bornéu. Várias equipas de espeleólogos
empreenderam a longa viagem até Mulu a partir
desse momento e o próprio Andy Eavis liderou mui-
tas campanhas. Na sua 13.ª viagem, organizou uma
comitiva de 30 espeleólogos, incluindo o seu filho
Robert e muitos veteranos de Mulu. Em finais de
Março, contactei-o por telefone em Kuching, uma
cidade na costa ocidental do Bornéu, enquanto ele
viajava para se juntar a eles.
“Iremos provavelmente identificar mais 50 qui-
lómetros de novas passagens na gruta”, projectou
com confiança. “E ninguém faz isso. Só eu, creio.”
Duas semanas mais tarde, quando me juntei
a ele em Mulu, a fé já abrandara. A expedição di-
vidira-se em três equipas principais. Duas pro-

“É claro que quando comecei não tínhamos
equipamentos como este”, disse Eavis, apontando
para as calças. “Ou estes”, acrescentou, segurando
um capacete vermelho amolgado ao qual prende-
ra uma lâmpada do tamanho de uma chávena.
“Naquele tempo, andávamos basicamente a
tropeçar no escuro. Não fazíamos ideia da imensi-
dão que iríamos descobrir.”


EM 1979, ANDY EAVIS CHEGOU AO BORNÉU inte-
grado numa expedição britânica para estudar a
floresta tropical e ajudar a Malásia, que conquistara
recentemente a sua independência, a conhecer o
recém-criado Parque Nacional de Gunung Mulu.
A espeleologia ainda era uma actividade relativa-
mente jovem. Andy e os restantes quatro elemen-
tos da equipa de espeleologia só foram incluídos na
missão quando os coordenadores do projecto se
aperceberem da existência de grutas enormes entre
os vários tesouros escondidos na floresta.
Andy e os amigos tinham afinado as suas ca-
pacidades em casa, na Grã-Bretanha, onde as
grutas costumam ser pequenas e frias. As grutas
do Bornéu, em contrapartida, eram o oposto em
quase todos os aspectos e conduziram-nos a ou-
tra dimensão.
A sua primeira descoberta valeu-lhes um novo
recorde: chamava-se Gruta do Veado, ou Gua
Rusa, e a sua entrada era tão grande (com quase
150 metros de altura) que o sol atingia locais pro-
fundos e o ar fresco circulava no interior, crian-
do um habitat estranho e maravilhoso, no limiar
entre a luz do dia e a escuridão. Uma gigantesca
colónia de morcegos vivia no tecto da gruta, en-
quanto, no solo, acumulavam-se pilhas espessas
de guano, baratas, caranguejos, vermes e uma
grande quantidade de micróbios especializados.
A equipa britânica descobriu que a Gruta do
Veado se estendia por quase três quilómetros
e, durante a década seguinte, foi considerada
a maior passagem subterrânea conhecida em
todo o mundo. Em 1991, uma gruta descoberta
no Vietname, chamada Hang Son Doong, su-
plantou-a, mas a descida na tabela não dimi-
nuiu o encanto da Gruta do Veado. Hoje, con-
tinua a ser uma grande atracção para turistas,
que deambulam sobre um passadiço interior e
reúnem-se à entrada na alvorada, segurando be-
bidas, batendo palmas e suspirando enquanto
milhões de morcegos em fuga parecem formar
um rasto de fumo no céu.
Ostensiva, óbvia e grandiosa, a Gruta do Vea-
do indiciava que existiria mais por descobrir

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