National Geographic - Portugal - Edição 221 (2019-08)

(Antfer) #1

52 NATIONAL GEOGRAPHIC


NA PERIFERIA DO ACAMPAMENTO, RELUZIA À LUZ DAS LANTERNAS


UMA CONSTELAÇÃO DE JÓIAS DIMINUTAS:


OS OLHOS DAS ARANHAS, ALGUMAS TÃO GRANDES COMO A MINHA MÃO.


desenrolávamos os colchões sobre a pedra lisa
e pendurávamos cordas para arejar as nossas
meias. A câmara era húmida e quente, como se
a própria escuridão fosse molhada e, para lá das
margens do acampamento, uma constelação
de pequenas jóias cintilava sob a luz das nossas
lanternas. Eram os olhos de inúmeras aranhas,
algumas tão grandes como a minha mão.
Certo dia, com Mad Phil e um jovem espeleó-
logo chamado Ben, explorei o sector esquerdo
da sala, procurando outra entrada. Sarawak é
tão grande que pode conter muitos troços dife-
rentes. Escalámos pelo menos meia dúzia deles,
passando de uma pilha de pedregulhos soltos e
lamacentos para um labirinto calcário, com pa-
redes afi adas como um ralador de queijo, para
um recanto misteriosamente silencioso coberto
de penas e montes pronunciados de guano que
pareciam o tipo de local onde todos os habitan-
tes das grutas – aves, aranhas, grilos e cento-
peias – iam morrer.

A passagem alargou e cresceu, abrindo-se
como um túnel sobre nós. Morcegos e aves des-
locavam-se através dele, atravessando ocasio-
nalmente os feixes de luz das nossas lanternas.
Pouco depois, as águas do rio transformaram-se
em rápidos, irrompendo por estreitos canais
de calcário e atirando-nos sem contemplações
contra pedregulhos escorregadios, cobertos de
água e de guano.
O caminho era tão traiçoeiro que, em determi-
nados locais, os espeleólogos que exploraram o
local antes de nós tinham fi xado cordas às pa-
redes para poderem avançar contra a corrente.
Após uns loucos e encharcados 1.600 metros
de trajecto, o rio desapareceu no solo e a Sala
Sarawak engoliu-nos na sua imensidão. Mesmo
com todas as lanternas apontadas para cima, só
conseguíamos vislumbrar um ligeiro indício da
existência de uma cúpula gigantesca. Foi fácil
imaginar Andy e os amigos perdidos aqui, anos
antes, no meio do vazio.


adiante, havia um berçário silencioso onde
era tão quente e tão serena que as salan-
se sentiam seguras para chocarem os ovos
o solo. Nunca encontrámos outra entrada,
a tivéssemos a certeza de que existe uma: o
água e as aves comprovam-no. Tivemos de
a sua descoberta para futuros exploradores.

NAL, A EQUIPA de Andy Eavis não fez mais
uma descoberta invulgar. Frank e Cookie
ligaram o sistema Água Limpa ao seu vizi-
o entanto, a expedição teve sucesso na des-
ta e mapeamento de uns respeitáveis 23
metros de novas passagens.
mas semanas depois de partir do Bornéu,
om Andy. Ele disse-me que já estava a pla-
ova viagem ao Parque Nacional de Gunung
ara ligar as grutas pessoalmente.
o que só descobrimos 50% das passagens”,
“Não gostaria de saber? Mulu é um lugar in-
eu quero saber o que está lá em baixo e ver
odas as peças se encaixam.” Era um labi-
ara durar uma vida inteira, acrescentou. j

“Se olhar em redor, poderá ver as pegadas an
gas das nossas botas”, disse Andy, rindo-se.
tropeções, como os ratos ceguetas que éramos.”


A CURIOSIDADE MAIS ESTRANHA das grutas
facto de nos lembramos delas como sendo clar
Sombreadas em alguns recantos, mas com pa
des, rochas e aranhas muito bem iluminadas.
fotografi as só aumentam esta ilusão. A verdad
que, excepto no instante em que o fl ash do fo
grafo inunda a gruta de luz, quase tudo é invisív
Sem luz solar para medir a passagem do te
po, marcamo-lo com refeições, chá e chocolat
Perto da entrada da sala, Mad Phil começo
espetar pontos de apoio na parede, contorn
do uma saliência até chegar ao tecto. Os out
membros da equipa exploravam cá em bai
seguindo em frente, examinando o maior esp
fechado conhecido do planeta.
Lá em cima, as salanganas discutiam e c
mavam sem descansar, descendo ocasion
mente e poisando nos nossos peitos, onde
sentavam e se deixavam acariciar. À “noit

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