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A
PRIMEIRA REZA DO DIA pro-
jectada pelos megafones das
mesquitas de Muncar, às qua-
tro horas da madrugada, é o
nosso despertador. Após mais
uma viagem de motorizada
entre campos de palmeiras, estamos no porto de
pesca para retomar os trabalhos da equipa de Betty
Laglbauer. A lista de tarefas para cumprir em con-
tra-relógio parece infindável, mas as operações só
começam depois de nos sentarmos calmamente
com os homens do mar para saborear uma chávena
de café e fumar cigarros estranhamente adocicados.
É um sinal de respeito cultural importante para
o fortalecimento dos nossos laços. As comuni-
dades locais são uma peça fundamental para o
sucesso deste projecto-piloto, que visa reunir in-
formações sobre a biologia, a distribuição geográ-
fica e a abundância destas espécies em locais de
captura. Além disso, os aspectos socioeconómicos
são cruciais, uma vez que estas comunidades de-
pendem da pesca artesanal, a sua única fonte de
rendimento. “Hoje em dia, temos de navegar até
muito mais longe para encontrar esses peixes”,
queixa-se um pescador à investigadora, que lhe
apresenta um cartaz com fotografias de móbulas.
Os dados históricos fornecidos pelo conheci-
mento ecológico destas pessoas revelaram o de-
créscimo colossal de 90% de algumas populações
do arquipélago, em escassos dez anos. Felizmen-
te, nem tudo são más notícias: a identificação de
zonas raras de reprodução, onde é frequente ob-
servar fêmeas prenhes e indivíduos juvenis, trou-
xe esperança à comunidade científica.
Ao fim de cinco horas, conclui-se o desembar-
que do pescado e voltamos à estrada rumo ao últi-
mo objectivo do dia. Para trás, além das entrevis-
tas aos pescadores, fica uma manhã produtiva de
identificação da espécie, sexo, idade, medidas e
peso das móbulas encontradas.
“Nos momentos em que medidas drásticas
parecem a única solução, é necessário ver a ou-
tra face da moeda que por vezes nos surpreende.
O bairro de Kalimoro é a prova viva disso”, diz Be-
tty, emocionada, enquanto é cercada por crianças
do bairro que a querem abraçar.
A alegria desvanece-se no rosto de Sanusi no
instante em que é confrontado com a necessida-
de de proteger as móbulas, durante uma acção de
sensibilização ambiental em sua casa. “Os peixes
que procuro são outros, com maior valor comer-
cial. No entanto, se aparecer uma móbula, não a
posso descartar. É um rendimento adicional para
alimentar os meus quatro filhos”, desabafa o pes-
cador, olhando para a sua família, subjugado pelo
peso da responsabilidade. Vendidas no mercado,
rendem em média quarenta euros a Sanusi.
Após sobrevoar sete ilhas paradisíacas cercadas
por um intenso azul pacífico e navegar entre ou-
tras tantas, chego a Lamakera pronto para conhe-
cer as cores de uma revolução. Apesar de as me-
didas de sensibilização inspirarem gradualmente
mudanças no comportamento das partes inte-
ressadas, este será um processo demasiado lento
para responder atempadamente à urgência do
problema. Afortunadamente, os investigadores
têm um projecto pioneiro na manga, que promete
funcionar como um catalisador de conservação.
O segredo está na visão das móbulas e em luzes LED.
“Estas foram baseadas nos protótipos utiliza-
dos com sucesso em tartarugas-marinhas”, expli-
ca Iqbal Herwata, biólogo da Fundação Misool,
enquanto aponta para um conjunto de luzes LED.
Em 2010, um estudo conduzido pela Universidade
do Hawai, na Baixa Califórnia (México), demons-
trou que a utilização de dispositivos luminosos
em artes de pesca, como as redes de emalhar, que
operam maioritariamente em regime nocturno,
funciona como repelente ou chamariz para deter-
minadas espécies marinhas.
Outra particularidade que eleva as móbulas ao
pináculo da evolução marinha é o seu sistema
visual. Ao contrário dos tubarões, que vêem a
vida como um filme monocromático antigo, por
possuírem unicamente bastonetes, células fotor-
receptoras de estímulos luminosos, os olhos das
móbulas detectam um leque variado de cores, de-
vido à presença de fotorreceptores cónicos.
Graças a uma bolsa de investigação financiada
pelo Sea World Australia, Betty Laglbauer está a
poucos passos de encontrar os comprimentos de
onda das cores que a retina das móbulas detecta
e que não coincidem com o espectro visível dos
peixes-alvo com valor comercial. “Estou confiante
de que a aplicação desta técnica em móbulas será
um sucesso. Os nossos resultados preliminares
com mantas, que têm um sistema visual idêntico,
são animadores”, conta Iqbal. Num estudo-pilo-
to levado a cabo ao longo de seis meses na região
de Lamakera, em que foram utilizadas luzes LED
vermelhas, a taxa de sobrevivência das mantas foi
Experiências como o
mergulho com raias-
-diabo no seu habitat
transformam mentali-
dades. A sensibilização
através do ecoturismo é
uma ferramenta essen-
cial para a conservação.