A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

por palavra; conhecia os desafios que ela encerrava. O lobismo clássico consistia
nisso, em estabelecer contato com uma pessoa e convencê-la a fazer algo que, em
princípio, ela não tinha intenção de fazer. Marcus precisava persuadir Hartvig a
fazer algo que não apetecia ao segundo. Hartvig reagiria mal, como todos
costumavam reagir, sobretudo os que trabalhavam para a administração pública –
empregados do Estado, funcionários públicos. Diferentemente do Serviço de
Inteligência, acostumado a operar na zona cinzenta, era quase impossível
influenciar a polícia e a administração da Justiça. Seus membros eram íntegros.
Marcus não dispunha de grande coisa para recompensar Hartvig, mas precisaria
usar de modo criterioso o que tinha – a promessa de alguns trabalhos de
consultoria interessantes, que estariam à espera tão logo Hartvig se aposentasse.
Sempre havia um ou outro contrato para fechar, na Tanzânia ou no Mali, alguma
conferência para organizar por cento e cinquenta mil coroas[4] neste ou naquele
fim de semana prolongado.
Assim, a receita seria uma combinação, sensata e bem amarrada, de dinheiro com
oportunidades de futuro. Nesses casos, a psique humana contribuía muito. Depois
de plantada a semente do dinheiro e da prosperidade, o cérebro era capaz de
convencer a si mesmo de muitas coisas. No fundo, o ser humano é uma criatura
racional, disso Marcus tinha certeza. Quase sempre, a perspectiva de uma vida boa
vence o idealismo. Portanto, o diretor-geral de polícia estaria aberto a aceitar alguns
argumentos racionais, assegurando melhores oportunidades para si mesmo e os
filhos. Menos trabalho e mais tempo livre; tempo para as coisas que são
importantes na vida – a família, o amor, os filhos. Quem não acharia razoável? Por
isso, Marcus estava tranquilo e convencido de que Hartvig se mostraria
compreensivo com seu humilde desejo. Se necessário, Hartvig se reuniria com Jens
Juncker e aí garantiria um flanco decisivo – o cadáver de Christian Brix. Não seria
preciso autópsia; só que o coitado fosse enterrado, se possível cremado, e o assunto
se encerrasse o quanto antes.

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